Em Discussão

A beleza do perdão

Lembro-me de uma das pregações do Monsenhor Jonas Abib em que ele usava uma metáfora cotidiana para falar sobre o perdão. Dizia das obras e das placas de sinalização que comunicavam: “Desculpe o transtorno, estamos em construção”. Como artesão da palavra, inspirado por Deus, nosso fundador foi descendo às minúcias do que é o transtorno e do que é a construção.

Causamos transtornos na vida de muitas pessoas, porque somos pecadores, porque somos imperfeitos. Nas esquinas da vida, pronunciamos palavras inadequadas, falamos sem necessidade, incomodamos. Nas relações mais próximas, agredimos sem intenção ou intencionalmente. Mas agredimos. Não respeitamos o tempo do outro, a história do outro. Parece que o mundo gira em torno dos nossos desejos e o outro é apenas um detalhe. E, assim, vamos causando transtornos.

Esses transtornos tantos mostram que não estamos prontos, mas em construção. Tijolo a tijolo, o templo da nossa história vai ganhando forma. Em alguns momentos, não somos capazes de compreender o tamanho da dor. Em outros, a edificação parece mais leve, o amor alivia o árduo trabalho. E assim é a nossa vida.

O outro, o meu irmão, também está em construção e também causa transtornos. E, às vezes, um tijolo cai e me machuca. Outras vezes, é a cal ou o cimento que suja o meu rosto. E quando não é um, é outro. E o tempo todo tenho de me limpar e tenho de cuidar das feridas. Assim como os outros que convivem comigo também têm de fazer. Os erros dos outros, os meus erros. Os meus erros, os erros dos outros.

Essa é uma conclusão essencial: todas as pessoas erram. A partir dessa conclusão, chegamos a uma necessidade humana e cristã: o perdão.

Perdoar é cuidar das feridas e das sujeiras. É compreender que os transtornos são muitas vezes involuntários. Que os erros dos outros são semelhantes aos meus erros, e que como caminhantes de uma jornada é preciso olhar adiante. Se nos preocuparmos com o que passou, com a poeira, com o tijolo caído, o horizonte deixará de ser contemplado. E será um desperdício.

O convite que eu faço é que você experimente a beleza do perdão. É um banho na alma. Deixa leve. Uma boa confissão ajuda a reconhecer as nossas falhas e, mais do que isso, nos impulsiona a buscar a santidade.

Obrigado, Monsenhor Jonas Abib, por nos ensinar a pedir perdão.

Meu irmão, se eu errei, se eu o magoei, se eu o julguei mal, desculpe-me todos esses transtornos… estou em construção!

 

Fonte: Revista Canção Nova (por Gabriel Chalita)

Separados pelos pais

Síndrome de alienação parental é um termo que passou a ser usado a partir dos anos 80 para identificar a situação vivenciada pela criança que, por interferência da mãe ou do pai, sofre prejuízo no relacionamento com um deles. Isso acontece principalmente após o rompimento da união que gerou essa criança. No Brasil, a síndrome de alienação parental foi regulada pela lei número 12.318 de 26 de agosto de 2010.

Precisamos reconhecer: essa situação não é incomum. Aliás, é cada vez mais frequente em um mundo em que os casamentos, os rompimentos e os recasamentos ocorrem em intervalos de tempo cada vez menores.

Por que será que é tão difícil para dois adultos que um dia se relacionaram com intimidade permitir que o filho, fruto desse relacionamento, se relacione com seus dois pais igualmente?

Um dos motivos pode ser a imaturidade. Crescemos o suficiente para escolher ter um filho sem ter de manter a união que gerou a criança, mas ainda não crescemos o suficiente para arcar com todas as consequências dessa nossa escolha.

Ter um filho é para sempre. O filho cresce, assume sua própria vida, mas será para sempre o filho de alguém. E isso significa que, para sempre, carregaremos as consequências dessa nossa escolha. E hoje é difícil, muito difícil, reconhecer o significado dessa expressão “para sempre”, não é verdade?

Outro motivo pode ser nosso egoísmo. Ficamos tão envolvidos com nossos sentimentos, mágoas e ressentimentos que somos guiados por eles e isso nos leva a esquecer totalmente da criança. Temos pouca -quando não nenhuma- disponibilidade para renunciar ao que sentimos para priorizar a criança que nada tem a ver com o rompimento da relação de seus pais.

Toda criança tem o direito de conviver com seus pais e as famílias de origem deles, estejam seus pais juntos ou não. Toda criança deve ter a oportunidade de, ela mesma, construir, aos poucos, a imagem de seu pai e de sua mãe como consequência de sua relação direta com ambos.

Toda criança deve ter garantido os direitos de construir sua identidade familiar, de aprender a conviver com famílias diferentes, de não ser levada, sob pressão emocional, a tomar o partido de um de seus pais.

São raros, bem raros, os casos em que o pai ou a mãe não deve ter contato com o filho para a segurança e a proteção dele. Por isso, devemos nos lembrar de que o que protege e dá segurança a uma criança é ela saber que pode contar sempre com seus pais, mesmo que eles estejam separados.

 

Fonte: Folha de S. Paulo (Rosely Sayão)

Formação docente: caminho alternativo

Fonte: revista Educação (por Gabriel Jareta)

Nos EUA, profissionais aposentados passaram a enxergar a carreira de professor como uma alternativa para se manterem ativos e gerarem renda. Mesmo com graves deficiências na formação de professores, o Brasil ainda não consegue aproveitar na prática a experiência profissional dos docentes aposentados – muitos deles afastados contra a vontade e em plena capacidade intelectual.

A ponte que faz a ligação entre a sala de aula e os profissionais “leigos” com mais anos de experiência ou mesmo aposentados pode ainda não ter sido construída no Brasil, mas está cada vez mais sólida nos Estados Unidos. São profissionais graduados em engenharia, química, matemática ou ciências, entre inúmeras outras formações, que passaram a enxergar a possibilidade de continuar a trabalhar e ser útil para a sociedade após a aposentadoria seguindo a carreira de professor da Educação Básica.

Um estudo do National Center for Education Information (centro nacional para a informação em educação), publicado no ano passado, mostra o quanto os chamados “delayed entrant teachers”, ou professores com ingresso tardio, ocupam uma fatia importante entre os docentes que chegam ao sistema educacional. O “Perfil dos professores nos Estados Unidos – 2011″ aponta que, entre 2007 e 2008, 146,5 mil novos professores ingressaram para dar aulas nas escolas americanas de ensino fundamental e ensino médio. Desses, 54 mil (pouco mais de um terço) eram esses “tardios”, profissionais com ensino superior que não saíram diretamente da faculdade para a sala de aula. Atualmente, segundo o estudo, os Estados Unidos contam com 3,2 milhões de professores para atender 49,4 milhões de crianças e adolescentes da Educação Básica.

O crescimento do interesse dos americanos em seguir a carreira de professor após a aposentadoria é motivado por vários fatores, entre eles o desejo de desafios, a necessidade de se sentir útil e ativo e, também para complementar a renda, aponta reportagem publicada em setembro de 2011 no jornal The New York Times. Segundo o texto, muitos distritos escolares americanos têm vagas para professores de matemática, ciências, educação especial e inglês como segunda língua – além disso, a demanda por professores está crescendo especialmente em regiões mais pobres das grandes cidades e na zona rural.

Diversas instituições americanas oferecem formação específica para profissionais com curso superior que desejam entrar para o magistério. Os candidatos fazem um curso (em instituições tradicionais ou alternativas) e prestam exames – cada estado é responsável pela própria certificação, o que torna mais ágil o processo para obtenção da licença. O departamento de Educação do governo americano criou até um site (Teach.gov) para dar orientações sobre como e onde obter formação e certificação para se candidatar a uma vaga de professor – a campanha procura abordar também a população falante de espanhol. Por outro lado, dezenas de sites publicam listas de vagas por cidade e especialidade, como em um classificado de empregos. Em tempos de crise, dar aulas se tornou uma opção de emprego estável, relativamente bem remunerado e com vagas em aberto.

Mão de obra desperdiçada

[…] Em um país em que formação de professores – especialmente para a Educação Básica – ainda padece com precariedade da quantidade e qualidade de recursos humanos, décadas e décadas de conhecimento são desperdiçadas anualmente pelas universidades sem que a comunidade acadêmica nem mesmo se dê conta disso. A permanência do professor aposentado na universidade e sua contribuição para a formação de novos quadros hoje dependem quase que exclusivamente da vontade individual e não há nenhuma política estrutural que os favoreça ou os incentive para isso.

Uma situação delicada – e, para muitos, injusta – que atinge professores no auge da capacidade intelectual e ainda com grande vigor físico. É o contrário, inclusive, do movimento cada vez maior de reabsorção de aposentados e idosos no mercado de trabalho comum, em que as empresas começam a enxergar na mão de obra aposentada uma solução para preencher lacunas de pessoal e de formação.

[…]

Vontade pessoal

Na prática, o professor aposentado que deseja continuar contribuindo para a formação docente ou para o sistema educacional brasileiro terá de correr atrás sozinho. E muito há de se fazer fora da sala de aula de graduação que possa provocar impacto positivo na extremidade inicial da educação. “Embora várias universidades ofereçam a possibilidade de o professor aposentado continuar em atividades de pesquisa e/ou de docência, a iniciativa cabe ao aposentado, e muitas vezes há um processo burocrático para que seja concedido o ‘benefício’”, observa a pesquisadora Magda Becker Soares, da UFMG. Na opinião dela, o problema mais sério é em relação aos aposentados compulsoriamente aos 70 anos, idade em que muitos reúnem rica produtividade, larga experiência e conhecimentos acumulados. “As universidades não têm, que eu saiba, mecanismos por meio dos quais elas mesmas selecionem professores que vale a pena manter depois da aposentadoria e que regulem a forma de realizar isso”, diz.

Na opinião de Magda, da UFMG, ainda que fora da sala de aula, o contato direto entre o professor no topo da experiência e aquele aluno da formação inicial pode ser colocado em prática de diversas maneiras. Escrever é uma tarefa importante e deve ser incentivada. “Tanto em textos acadêmicos quanto, e talvez, sobretudo, em textos que se dirijam aos que estão na prática da educação, quer no nível da gestão, quer no nível da sala de aula, ou em textos que circulem na mídia”, afirma. Além disso, o aposentado pode participar de grupos de pesquisa sobre temas ligados à educação, atuar em órgãos públicos e privados ou assessorar a própria universidade ou escolas e redes de ensino.

A menos de dois anos da compulsória, a professora Selma Garrido Pimenta, da Faculdade de Educação da USP, não aponta esforço nenhum da universidade pública em aproveitar o pessoal aposentado – ou em vias de se aposentar. Mesmo assim, ela identifica muitos professores que, como ela, já poderiam ter se aposentado, mas permanecem por vontade própria atuando em salas de aula da graduação e da pós-graduação e nos grupos de pesquisa. “Boa parte dos colegas não quer se aposentar para ficar fazendo nada ou então partir para um caminho muito diferente”, diz. Selma se recorda de um movimento intenso, ocorrido em torno de uma década atrás, de muitos professores aposentados serem chamados para universidades e faculdades particulares que abriam suas pós-graduações no período de expansão da oferta, hoje já refreado. “Nas particulares eles querem um compromisso muito grande também com a graduação e nem sempre isso é viável”, observa.

Atualmente, na USP, é necessário estabelecer um termo de compromisso para que o professor aposentado possa manter algumas atividades de docência e pesquisa. Embora esse acordo não preveja remuneração extra, Selma acredita que a universidade deveria discutir um apoio a esses professores. “Não acho que os aposentados deveriam receber mais um salário, mas se houvesse uma bolsa, algo que pudesse pelo menos contemplar o deslocamento deles até a faculdade, eles não estariam pagando para trabalhar”, explica. Uma alternativa bastante utilizada é manter a bolsa de fomento à pesquisa, mas nem sempre a oferta consegue abranger todos os interessados. Na opinião da professora, a necessidade de discutir essa questão ao menos no Estado de São Paulo é favorecida pelo momento atual de crescimento nos orçamentos das universidades paulistas.

Competências aproveitadas

Em relação à Educação Básica, por exemplo, Selma diz que as contribuições de professores aposentados ainda são muito pontuais e não chegam a indicar alguma área de atuação específica ou alguma tendência – atividades de extensão, como cursos e programas de formação continuada poderiam ser alternativas interessantes. É o que ela pretende fazer após a chegada da compulsória: permanecer escrevendo e publicando (ela coordena uma coleção de livros sobre formação docente), continuar com a bolsa de pesquisa da CNPq e participar de algumas orientações, bancas e seminários. “Tenho o compromisso de contribuir para a formação”, afirma. E conclui: “a universidade precisa aproveitar as competências dos mais velhos”.

[…]

Educar para a sustentabilidade

Fonte: Folha de S.Paulo (por Maria Alice Setubal)

Como esperar que os nossos filhos sejam abertos à diversidade, se em casa somos intolerantes?

Minha mãe costumava dizer que os “filhos são nossa obra-prima”. Já meu pai, mais pragmático, falava sempre que “difícil, na vida, é educar os filhos; a gente dá um jeito no resto”. Como fazer da difícil tarefa de educar os filhos uma obra-prima?

A globalização, o acesso às informações em tempo real e a velocidade das mudanças nos deixam atônitos e paralisados, sem respostas assertivas para orientar nossa conduta em relação aos filhos.

O padrão de sociedade que construímos está na raiz de questões com as quais nós, pais e educadores, nos deparamos. Uma sociedade na qual as relações são baseadas em consumo e aparências, afetando o respeito ao outro na sua diferença e a vida do planeta como um todo.

Em uma sociedade em que o consumo é o eixo em torno do qual se desenvolvem toda a economia e os valores, o “ter” se sobrepõe ao “ser” de forma avassaladora. É difícil trilhar um caminho inverso.

Somos valorizados pelo que aparentamos ou temos, o que torna vazias as formas de interação social.

Sem nos darmos conta, principalmente nas grandes cidades, acabamos não tendo tempo para conhecer as pessoas, nem mesmo aquelas à nossa volta. Não sabemos mais como cultivar a convivência jogando conversa fora ou buscando uma reflexão que nos tire do lugar-comum, do superficial pasteurizado da comunicação de massas e das mídias sociais.

Na semana passada, em entrevista a uma revista semanal, a escritora americana Rosalind Wiseman, especialista em “bullying”, destacou a dificuldade dos pais em impor limites aos filhos. Ela afirma que, muitas vezes, os pais se colocam como cúmplices dos filhos, não só defendendo-os de forma incondicional, como também dando o mau exemplo em casa.

Como esperar que crianças e jovens sejam solidários e abertos à diversidade cultural e social, se em casa somos intolerantes, preconceituosos e autoritários? Como construir relações sociais mais consistentes e verdadeiras, se incentivamos de forma exagerada nossos filhos a usarem grifes e, sobretudo, valorizamos amizades relacionadas a prestígio e poder?

Vivemos um momento de transição para um paradigma em que a sustentabilidade deve ser o eixo da nova sociedade. E precisamos educar nossos filhos orientados por essa concepção, pois esse será o mundo em que eles irão viver. Um mundo onde a interdependência entre o ser humano e seu entorno, assim como a inter-relação entre o local, o regional e o global são premissas básicas.

Somos cidadãos planetários e por isso o “cuidado”, ao lado do diálogo, da diversidade cultural e da cooperação, passa a ser um valor fundamental em todos os setores: economia, cultura e educação. Precisamos aprender a cuidar de nós mesmos, do outro e do ambiente em que vivemos. A globalização e as novas tecnologias nos conectaram uns aos outros e abriram novas formas de ser, pensar, sentir e agir.

Consumo responsável, alimentação saudável, respeito às diversidades, saber ouvir e participar da vida social e política, criatividade e inovação poderão ser os novos pilares da sociedade contemporânea -e o Brasil tem todas as condições para trilhar esse caminho.

Resta saber se teremos a maturidade e as condições para a construção e a afirmação de novos valores. Papel esse que é de toda a sociedade, mas, sobretudo, é responsabilidade dos pais.

Pesquisas e a experiência de instituições e profissionais que trabalham com jovens mostram que, para eles, a família é a instituição de maior valor, o seu porto seguro. Sobretudo para jovens de baixa renda, a mãe é a grande referência em suas vidas.

Portanto, faço aqui um convite para refletirmos sobre que educação queremos dar aos nossos filhos, para que vivam a contemporaneidade que o século 21 nos impõe.

Sobre pessoas, animais e sentimentos

Recentemente, a grande mídia fez várias reportagens sobre espancamento de cachorros. Em um deles, uma mulher afirmou que não aguentava mais os latidos irritantes da filhotinha e, por isso, “batia mesmo”. Bateu até matar. Em outro, um homem cansado de ter que tratar do cão resolveu enterrá-lo vivo, depois de espancá-lo. Disse que descarregava suas energias batendo no cão. Em uma outra reportagem, um homem amarrou o cachorro em sua camionete, arrastando-o até deixar o pobre animal em carne viva. E o abandonou na rua para que a morte o levasse.

Essas histórias acontecem com mais frequência do que a mídia noticia. Fora os rituais macabros que sacrificam animais e até pessoas. Mas vamos ficar apenas nessas histórias. Por que essas pessoas quiseram ter um cão? Por que não deram para alguém em vez de espancar os animais? Por que enterrar vivo um cachorro? O motorista da camionete disse que não viu o cachorro amarrado e, quando percebeu, já sabia que ele iria morrer. Alguém acolheu o cachorro e tratou dele. Apesar das sequelas, o cachorro não morreu. Alguém desenterrou o outro cão depois de receber denúncias de maus tratos e de procurá-lo por toda parte. Vendo a terra remexida, o benfeitor socorreu a cadelinha. Nessas histórias de horror, apenas um filhotinho morreu. Os outros foram acolhidos em algum lar.

A dualidade desses fatos nos deixa algum ensinamento. De um lado, os agressores; de outro, os acolhedores. Enquanto alguns demonstraram ausência de bons sentimentos, outros se agigantaram para cuidar de uma criatura de Deus. Isso mesmo. Os animais são criaturas de Deus. Descarregar a raiva em um animal significa compreender pouco da relação do homem com a natureza. A insensibilidade com os animais se transforma na insensibilidade com as pessoas. Quem agride um animal é um potencial agressor de uma pessoa. E a sensibilidade caminha na mesma direção. Pessoas carinhosas, respeitosas são assim com animais e com pessoas. Não se descarrega energia raivosa em ninguém. Trabalha-se. Busca-se um equilíbrio interior. Não nascemos para espancar nem para agredir nem para matar. Nascemos para a boa convivência, para os bons sentimentos, para o amor.

Eu tenho dois cachorros. Um labrador, que ganhei de um amigo e uma vira-lata que adotei. Quando chego em casa, os olhares de amizade desinteressada, de afeto incondicional me fazem muito bem. Quantas vezes vi minha mãe com dor e os cachorros ao seu lado, fazendo companhia. Passando sentimentos. Já vi moradores de rua cuidando de cachorros e querendo continuar a viver pelo vínculo com eles estabelecido. Já vi crianças com deficiência aprendendo a sorrir com seus animaizinhos. Fazemos parte de uma mesma natureza. E é preciso respeitar a nossa casa com as outras criaturas que a habitam. Com sensibilidade. Já nos ensinava Guimarães Rosa: “Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?

Fonte: revista Canção Nova por Gabriel Chalita

Qual é a melhor escola para o meu filho?

Por Gabriel Chalita

A educação é o grande legado que os pais deixam para os seus filhos. Foi o que disse, com grande perspicácia, a autora dos sublimes “Poemas dos Becos de Goiás”, Cora Coralina, numa frase inspiradora que diz: Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. Quando disse isso, a poeta já tinha o rosto enrugado, o corpo alquebrado e maltratado pela vida, mas a alma lisa e pura. Cora sabia, ao conceber essa frase, que a primeira etapa da educação se dá em casa, e não importa a idade de quem assume a tarefa de educar. E é em casa que os filhos começam a absorver as virtudes e os vícios dos pais ou avós. Porque, mais do que as palavras, as atitudes falam alto na história das crianças.

Depois vem a escola. E nesse momento surgem numerosas dúvidas para que se consiga escolher a melhor escola. Alguns pais não se interessam tanto e relegam essa tarefa para terceiros. Outros até exageram, perguntando a diversos especialistas, em que escola devem matricular os seus filhos.

Hoje, é comum a mídia oferecer, com base em alguma pesquisa ou avaliação, um ranking com as melhores e as piores escolas. Não acho que esse seja um critério interessante para se basear no momento da escolha, até porque esses critérios são, muitas vezes, duvidosos e nem sempre conseguem mostrar o que é uma escola de qualidade.

Entretanto, há alguns aspectos que podem ser observados e que ajudam na escolha:

1 – Os pais devem visitar a escola com os filhos e observar o ambiente. É fundamental que a criança goste da escola em que estuda;

2- A infraestrutura é importante. Salas de aula agradáveis, biblioteca, espaço de cultura, lazer, esporte. Não é necessário que o prédio seja luxuoso, mas que seja limpo e digno de um espaço em que se educa;

3 – É importante avaliar o quanto a escola investe na formação de seus professores, que são a alma da escola. Se o espaço físico for suntuoso, mas o corpo docente engessado e desmotivado, é preferível procurar outra escola;

4 – Mesmo que os pais não sejam especialistas em educação, é recomendável saber a linha pedagógica da escola, o seu projeto de ensino-aprendizagem e formas de avaliação;

5 – Deve-se analisar o currículo da escola, cuidadosamente, para verificar se há preocupação com temas do cotidiano como ética, cidadania, respeito ao meio ambiente, diversidade cultural, entre outros. Os pais não devem ter vergonha de perguntar tudo o que lhes suscita dúvida. É bom avaliar o preparo de quem o atende ao dar as respostas;

6 – Os pais devem observar os funcionários e, se possível, o diretor da escola. Uma regra básica é que todo educador deve ser educado. Uma escola que preza por esse valor investe na capacitação de todas as pessoas que nela trabalham;

7 – Outra questão essencial é se a escola prepara para a cooperação ou apenas para a competição. Cuidado. Pode ser que os pais queiram apenas que o filho ingresse em uma faculdade, sendo aprovado no exame vestibular. Isso é importante, mas a escola tem que preparar para a vida toda, e não apenas para um exame;

8 – Uma alternativa interessante é questionar alguns pais que freqüentam a escola para ver se o discurso dos educadores é condizente com a prática;

9 – Os pais devem avaliar se o preço é compatível com o seu salário. A mesma avaliação deve ser feita em relação à localização, para que não vire um transtorno a rotina de ir e vir;

10 – Os pais devem decidir junto com o seu filho, não importa qual seja a idade dele. É importante que ele sinta que ajudou a escolher a escola em que estuda;


O mais importante é que o pai, a mãe, ou responsável, leve a sério a educação da criança. Em casa, na escola, na vida. Importante lembrar que por melhor que seja uma escola, ela nunca vai suprir a carência de uma família ausente. Portanto, a família deve participar de verdade do processo educativo de seus filhos.

Disciplina é um conteúdo como qualquer outro

Ao longo da carreira, Lino de Macedo, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, se especializou no construtivismo do suíço Jean Piaget (1896-1980), na psicologia aplicada à educação e nos jogos infantis ele coordena um laboratório de pesquisas e elaboração de atividades relacionadas às brincadeiras e voltadas para a escola. Um assunto que ocupa particularmente sua atenção são os estágios de desenvolvimento da criança e a importância de o professor conhecer o que acontece em cada fase do crescimento.

 

Com essa vivência, ele encara um dos temas que mais preocupam os educadores: a disciplina. Segundo o psicólogo, disciplina na escola não é questão de boa conduta nem de formação trazida de casa. “Disciplina se aprende e é do interesse de todo mundo, porque facilita a relação da gente com as coisas.” O que o professor pode fazer para que a turma se comporte como deve? O exemplo é um dos caminhos. “Fala-se muito que as crianças de hoje não têm limites. Mas nós, adultos, também não temos.” Macedo acaba de lançar uma nova coletânea de textos, Ensaios Pedagógicos, que tem como subtítulo a pergunta: “Como Construir uma Escola para Todos?” .

É possível ensinar disciplina?

Lino de Macedo: Sim. Disciplina é uma competência escolar que as crianças aprendem como qualquer conteúdo. Condição para realizar um trabalho com êxito, é uma matéria interdisciplinar, porque dela dependem todas as outras.

A disciplina vem de casa?

Lino de Macedo: Para alguns educadores, sim. Quem considera a disciplina uma coisa que se tem ou não se tem possui uma visão moralizante que transforma uma competência numa questão de valor. Para eles, a disciplina depende da força de vontade do aluno ou da determinação dos pais. Essa visão atribui culpa em caso de indisciplina. De fato, na escola exclusiva, anterior à atual, selecionavam-se os alunos e ficavam de fora aqueles que não se ajustavam ao comportamento desejado. Nesse caso, disciplina era mesmo um pré-requisito para a escola. Hoje, comportadas ou não, todas as crianças têm direito a estudar.

Qual o principal erro da escola em relação à disciplina?

Lino de Macedo: É pensar que existe um único tipo de disciplina e que ela só pode ser imposta. Minha idéia é que disciplina é um trabalho de todos em sala de aula. Constrói-se a melhor forma de acordo com a necessidade. Numa aula tradicional, expositiva, enquanto o professor fala ou escreve no quadro-negro, os alunos devem ficar quietos, prestar atenção e copiar. Acontece que hoje temos muitas propostas pedagógicas. Cada cultura escolar e cada atividade em sala de aula têm uma disciplina adequada a seu desenvolvimento. Dependendo da situação, a melhor pode ser o silêncio, as crianças perguntando ou conversando entre si.

É possível ensinar disciplina pelo exemplo?

Lino de Macedo: Sim. Um erro comum é achar que a falta de disciplina é sempre do outro. Fala-se muito que as crianças de hoje não têm limites. É verdade. Mas nós, adultos, também não temos. Em uma sociedade como a nossa, um dia se almoça de manhã, outro dia de tarde, outro dia enquanto se fala ao celular. Nós é que não temos rotinas para organizar a vida das crianças. […]

A disciplina que se aprende na escola serve para a vida toda?

Lino de Macedo: A gente tem de pensar a disciplina ao mesmo tempo como fim e como meio. É um fim porque podemos desenvolver atitudes como concentração, responsabilidade, interesse. Essas coisas viram ferramentas pessoais e de trabalho. Disciplina é também um meio, um instrumento sem o qual as coisas não acontecem ou acontecem fora do prazo ou dos padrões.

A disciplina ajuda a desenvolver a autonomia?

Lino de Macedo: Disciplina é, cada vez mais, autodisciplina. Um exemplo é a lição de casa. Hoje em dia a maioria das famílias não tem um adulto com tempo disponível para fiscalizar o dever. A própria criança aprende a administrar essa tarefa e, se necessário, ela pede socorro. A autonomia é uma conquista, um aprendizado complexo e longo pelo qual as crianças desenvolvem a disciplina para dar conta de suas tarefas.

O que é ser uma pessoa disciplinada?

Lino de Macedo: Ser disciplinado significa ter um comportamento subordinado a regras. Mas o que é regra? Algo que se constrói por consentimento. É como em um jogo. As regras são arbitrárias, mas a criança aceita porque gosta de jogar. Sem regra, não há jogo. Para definir regras, usamos o recurso da democracia. A classe toda discute, sob a condição de que todos aceitem o que a maioria decidir. O problema é que a minoria pode se recusar a cumprir. Deve-se combinar previamente que a não observação das regras implicará punições ou perdas. Um dos motivos que nos levam a aderir à disciplina são as conseqüências de não nos entregarmos a ela. Convencer é diferente de impor.

Todas as obrigações devem ser submetidas a discussão?

Lino de Macedo: Não. Por exemplo: muitos pais perguntam aos filhos se eles querem comer. Eu não acho que seja uma boa pergunta. Porque, se o filho disser que não quer comer, como fica? A melhor pergunta é o que ele quer comer, dando opções. Dar autonomia não significa abrir mão do seu papel de líder e de responsável por certas coisas. Se você submeter tudo à opinião da maioria das crianças, a curto prazo elas vão decidir pelo pior. Primeiro, tenta-se convencer. O último recurso é impor. É errado tentar tratar como homogêneo algo desigual como a relação adulto e criança ou a relação professor e aluno.

[…]

A disciplina e a ordem podem prejudicar a criatividade?

Lino de Macedo: Rigidez é uma coisa, rigor é outra. Os artistas, que trabalham com criação, costumam ser super-rigorosos. Já rigidez é acreditar que uma coisa só pode ser feita de um jeito, definido arbitrariamente. A disciplina está do lado da criação, mas não é uma só. Alguns trabalham de dia, outros à noite; alguns de um modo, outros de outro. A maior parte dos artistas tem de cumprir prazos, se impõe tarefas. Se não houver disciplina, você pára no meio, esquece. Acontece que muitas vezes nós, adultos, usamos o discurso do rigor para defender nossa rigidez ou nossa incapacidade de lidar com as situações.

 

Fonte: Revista Nova Escola (por Márcio Ferrari)

As mudanças no Pisa

A próxima edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que será realizada em 2012, acontecerá sob novos moldes. Isso porque está prevista a aplicação de uma prova eletrônica, diferente daquela em papel, para uma subamostra de 256 escolas brasileiras (a amostragem total da avaliação é de 25 mil alunos, o que envolve 902 escolas). A notícia foi anunciada em setembro pelo gerente nacional do Pisa, João Galvão Bacchetto, em palestra para alunos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp). Em entrevista a seguir, o funcionário do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) aponta, entre outros assuntos, as dificuldades na aplicação da prova eletrônica, como a incompatibilidade de sistemas – o Pisa foi concebido para Windows, enquanto muitas escolas usam o Linux.

 

Pelo que o senhor apurou, quais serão as principais dificuldades na aplicação da prova eletrônica?

O Pisa tem algumas necessidades de equipamento e software que nem sempre são atendidas pelos laboratórios da escola. Claro, ainda há escolas sem laboratórios, mas a grande maioria já está equipada. Mesmo essas não estão com equipamentos de que o Pisa necessita para aplicar prova. Na verdade, nesse caso, é o Pisa que tem de se adaptar à escola brasileira. Então, já acionamos  a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para que os itens da prova eletrônica sejam feitos em Linux, que é o sistema mais utilizado no Brasil, enquanto nos outros países quase todos usam sistema Windows. Esperamos que na edição de 2015 tenhamos uma prova que “rode” nas necessidades das escolas.

As escolas usam mais Linux?

Existem escolas que usam Linux e escolas que usam Windows no Brasil. Só que a política nacional de distribuição de computadores é baseada em Linux, que é um sistema mais barato em termos de garantir que se expanda mais rapidamente a nossa rede de computadores. Muitas vezes esse computador é doado à escola e ela não pode remover o sistema, que é bom. A questão é que não faz sentido um país enorme como o Brasil ter de se desdobrar para aplicar uma prova porque o sistema eletrônico não é o adequado.

O que muda para o aluno com a prova eletrônica?

Ainda não coletamos o pré-teste da prova, mas há questões, por exemplo, que são de leitura de e-mail. Ele tem de procurar uma informação, voltar com essa informação e responder o e-mail. Não é nada que um aluno de 15 anos não faça às vezes, nem que não seja na escola, mas na lan-house. Acredito que muitos recursos de letramento digital já estão nos alunos de 15 anos, mesmo em pequenas cidades do Brasil.

Haverá mudanças na matriz de avaliação do Pisa? 

Quando você vai compor uma prova, tem de escolher quais tipos de itens você vai usar. Um item de uma prova eletrônica pode usar, por exemplo, uma tabela, um texto e mais um e-mail. Isso causa uma alteração na composição do exame e você tem de mudar a matriz. Se o aluno acerta a questão do e-mail, na hora em que você for fazer a interpretação pedagógica com a escala, você vai precisar ter um item dizendo que ele é capaz de dominar tal e tal habilidade do letramento digital. Como ainda não aplicamos a prova eletrônica, não sei dizer como as escalas (da prova em papel e da eletrônica) vão conversar. Que eu saiba, a escala eletrônica é independente da escala de papel.

Os aplicadores externos passarão por treinamento para aplicar a prova eletrônica?

Sim. A prova é um pen-drive que vem criptografado e só roda em determinadas condições. O aplicador precisa ter a senha de administrador, e o computador não pode ter vírus. Ele precisa passar um antivírus que vai no pen-drive junto com a prova. Só depois dessa verificação é que ele chama os alunos.

A intenção dos senhores é aplicar a prova eletrônica em toda a amostra de escolas em 2015?

Vamos aplicá-la em uma sub-amostra de 256 escolas justamente por conta da condição dos laboratórios. Não teria sentido aplicar a prova em todas as escolas neste momento. Vamos aprender muito para, eventualmente, se a OCDE mudar o sistema de prova para ser compatível com o Linux, em 2015, aplicarmos em todas as escolas da amostra.

Como a amostra de escolas é definida? 

A primeira coisa que definimos são os estratos pelos quais queremos resultados. No nosso caso, definimos ‘por estado’ e ‘por dependência administrativa’. Outro aspecto são os estratos implícitos, aqueles que você não precisa ter resultado, mas precisa que sejam considerados. Exemplos: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o tamanho das escolas (variável que a OCDE solicita), o nível ofertado pelas escolas (médio, fundamental,ou os dois).

Como os senhores garantem que a amostra não contempla mais escolas particulares do que públicas? 

É possível ter uma amostra dessa maneira, sim. Mas você põe um peso na nota final de cada aluno, ou seja, equaliza-se o resultado pelo peso que você dá à nota daquele aluno. Você abaixa ou aumenta o peso da nota. A nota do aluno será equivalente à participação dele na população.

Desde que o país começou a aplicar o Pisa, o que se conseguiu de informações sobre nossos alunos?

Os alunos estão progredindo dentro das séries. Na faixa etária avaliada pelo Pisa (15 anos), o aluno pode estar da 7ª série até o 3º colegial. O que você observa ao longo dos anos é que houve uma progressão desses estudantes para os níveis mais altos: 1º, 2º e 3ºos anos do ensino médio. Observamos que houve crescimento significativo não só do resultado, mas também dos indicadores de fluxo dos estudantes.

O que não significa que estamos em um patamar considerado adequado, apesar de o país ter sido um dos que mais cresceram na última edição da prova. 

Há países que regrediram, pioraram seu desempenho. Acredito que obtivemos uma melhora. O ideal é continuar assim, porque temos uma dívida educacional muito grande.

Fonte: Revista Educação (por Beatriz Rey)

Abertura para o mundo

Conhecida internacionalmente por suas ações de apoio à leitura, a Colômbia apresenta números expressivos no que diz respeito à sua rede de bibliotecas públicas. A teia nacional é formada por 19 bibliotecas, cinco centros de documentação e quatro áreas de gestão cultural, cobrindo 28 cidades. Na capital Bogotá, são 20 unidades fixas e uma móvel, o Bibliobús, que compõem a Red Capital de Bibliotecas Públicas de Bogotá (Bibliorede). Bibliotecária e educadora, a colombiana Silvia Castrillón participou ativamente do processo que instituiu esse sistema nacional de bibliotecas públicas. Presidente da Associação Colombiana de Leitura e Escrita (Asolectura), Silvia acaba de lançar no Brasil o livro O direito de ler e de escrever (Editora Pulo do Gato). Em entrevista à repórter Ligia Sanchez, a autora levanta os pontos fracos do sistema de bibliotecas colombiano e afirma: “incentivar a leitura, por si só, não faz sentido”.

 

Qual a importância do incentivo à leitura na sociedade atual?

Pensar que é preciso incentivar a leitura é um lugar-comum. A maioria das pessoas que dizem isso não faz uma reflexão sobre o porquê e o para quê é preciso incentivá-la. O incentivo propicia possibilidades para o ser humano, como pessoa que está no mundo e intervém nele. Por exemplo, há quem defenda que as pessoas devem consumir mais livros. Esse não é meu interesse para incentivar a leitura. Há governantes que estão interessados na promoção da leitura porque, supostamente, ela forma cidadãos melhores. Mas quando analiso o que eles entendem por cidadania, não é o mesmo conceito que eu tenho. Eles querem cidadãos que não questionem e não coloquem em perigo a ordem estabelecida. Estou interessada no contrário: em pessoas que exerçam juízo crítico frente à ordem estabelecida. Que tenham condições, capacidade, que usem a escrita como uma ferramenta que lhes permita conhecer melhor essa ordem para poder intervir nela. Há outras pessoas que atribuem à leitura o poder de incrementar o rendimento escolar, o que as colocaria em melhores posições em rankings de avaliações internacionais. É preciso olhar, antes, como se mede esse rendimento escolar, quais são os fins de incrementá-lo. Incentivar a leitura, por si só, não tem sentido.

É possível medir o impacto da promoção da leitura? 

Isso não se mede com número de livros lidos, nem com provas acadêmicas internacionais. Tampouco é possível medir a cidadania. Poderíamos ver se as taxas de violência diminuem, ou se aumentam as possibilidades de convivência entre os seres humanos, mas isso é muito difícil de mensurar. Acredito que essas transformações só se dão em longo prazo e com uma observação do tipo qualitativo sobre as práticas de leitura e, sobretudo, do imaginário sobre a leitura e a escrita.

Como está a situação da Colômbia em relação ao sistema de bibliotecas públicas e leitura?

O tema da formulação de políticas públicas de leitura vem sendo trabalhado há mais ou menos 15 anos por lá. A sociedade civil se organizou ao redor dele. Antes que muitos países pensassem em grandes bibliotecas escolares, a Colômbia investiu nelas. Mas não avançamos muito no que eu entendo por acesso à cultura escrita. É difícil ver os impactos em termos gerais. Vemos resultados em pequenos grupos, em turmas de jovens, em grupos de professores, que vão transformando suas práticas e seus imaginários sobre a leitura e a escrita. É muito difícil, porque esse trabalho vai na contramão do que a sociedade propõe (que o livro seja um objeto de consumo, que a leitura seja uma prática para a recreação). A sociedade pensa a leitura não para a emancipação dos seres humanos, mas para que eles se esqueçam dos problemas.

Como foi a participação da sociedade civil no processo de instituição do sistema de bibliotecas?

Nós, da Asolectura, iniciamos um processo nacional e local de organização de espaços para o debate sobre a necessidade da formulação das políticas públicas. Criaram-se conselhos municipais de leitura e escrita em algumas cidades do país, tanto pequenos povoados como grandes centros, em que se reuniam professores, bibliotecários, pessoas interessadas em pensar além. Fizemos cinco grandes encontros que produziram um documento, difundido amplamente, sobre a necessidade da formulação de políticas e sobre a necessidade da intervenção da sociedade civil neste processo. Não se tratava somente do que o Estado queria como leitura, mas também do que a sociedade acreditava que era necessário. Esses processos foram muito difíceis. Às vezes, aconteciam apenas em alguns locais, os grupos se formavam e logo se dissipavam e daí se perdia o trabalho.

A senhora diria que o sistema colombiano é bem-sucedido?

As bibliotecas são estupendas. Além disso, estão em todo o país, você chega a um município pequeno e tem biblioteca. Mas o fato é que a construção de tais bibliotecas, em edifícios grandes e belos, que fazem os prefeitos ganharem prêmios de arquitetura, não muda as coisas. Por exemplo, em algumas cidades, há bibliotecas maravilhosas, que quase não possuem livros. Lá, o mais importante são os computadores, você vê crianças jogando ou usando a internet, ou seja, são excelentes lan houses.

Como enfrentar o desafio de chegar às pessoas iletradas e, consequentemente,  excluídas?

Fizemos um trabalho muito grande com pessoas excluídas que, antes de tudo, são excluídas pela pobreza. Está na moda falar de diversidade, grupos étnicos, mas creio que a primeira forma de exclusão é a pobreza. Claro que isso não quer dizer que não se reconhecem as lutas das minorias. Para chegar aos excluídos, é preciso desenvolver trabalhos muito pontuais, com grupos pequenos, e que devem ser feitos a partir da biblioteca e da escola, instituições que permitem chegar às famílias e trabalhar processos em longo prazo.

Quais estratégias a escola pode assumir no processo de incentivo à leitura?

A escola tem de lutar para que existam espaços de debate e de reflexão em seu interior sobre leitura. Acredito que a teoria precisa ser resgatada, para que a escola não use a leitura como moda, mas como instrumento de reflexão sobre a prática. Se eu fosse ministra da Educação, estipularia uma hora de leitura diária e de debates entre os professores, sobre textos teóricos e literários. Acredito que isso mudaria muito a visão que eles têm sobre a leitura. O problema é que os professores leem, e muito, mas em função de seu trabalho, não em função da vida. Então acabam não transmitindo um interesse pela leitura. Creio que é preciso introduzir, convidar os docentes a ler literatura e acompanhá-los nessas leituras.

Quais são os papéis das bibliotecas públicas, populares e escolares?

Deve haver diferenças. Entre as públicas e as populares, não necessariamente. Em geral, as bibliotecas populares surgem de uma iniciativa da comunidade. Qual é a ideia que o povo tem quando faz uma biblioteca? Não é a de que a biblioteca e a leitura são importantes, mas a de que se precisa de um lugar onde as crianças possam fazer suas tarefas escolares. As bibliotecas públicas costumam ser iniciativas do Estado. Mas como não há na sociedade uma ideia da necessidade e importância da leitura, elas acabam atuando como complemento da escola. Na Colômbia, cerca de 80% dessas bibliotecas são consultadas por estudantes, em função das tarefas escolares. Nos períodos de férias, não há o mesmo fluxo de frequentadores. Em geral, as bibliotecas estão abertas de acordo com os horários escolares e os bibliotecários estão adestrados para oferecer aos alunos o que os professores pedem de lição. Uma biblioteca pública deveria fazer uma programação de acordo com debates considerados importantes para a comunidade. Com isso, ir mostrando a importância que a leitura e a escrita podem ter para a comunidade, em função de seus interesses. Já a biblioteca escolar deve ser uma biblioteca no interior da escola, mas não uma biblioteca pública no interior da escola. Ela não pode ser um espaço diferente da sala de aula. A relação com a sala de aula é complementária e enlaçada.

Mas como garantir que essa relação se efetive na prática?

Em primeiro lugar, a biblioteca escolar deve ser um espaço onde as crianças que não têm livros em casa os encontrem ali. A biblioteca precisa ofertar livros de boa qualidade.  E deve trabalhar de mãos dadas com a aula na formação de leitores – que, mais uma vez, são leitores para a vida, não para a escola. Ou seja, pessoas que possam fazer uso da cultura escrita para diversos fins, com diferentes possibilidades. Na prática, o que se costuma fazer é o contrário: a biblioteca serve para buscar informações ou para a leitura recreativa. Nenhuma dessas duas coisas é ler. Procurar informações é importante, mas a leitura permite a busca de sentido do ser humano, de seu lugar no mundo, de relações com os outros. A leitura não serve só para pensar o mundo, mas para mudá-lo. Pode-se dizer que “ler é um direito”, mas não ler também é um direito. Nestas palavras, há uma coisa escondida: a maioria das pessoas não rejeita a leitura conscientemente, mas são rejeitadas pela leitura. Há muitas razões para que se sintam excluídas.

No Brasil, temos o Plano Nacional do Livro e da Leitura. Há algo semelhante na Colômbia?

Sim, mas os planos nacionais, para mim, são em geral muito instrumentais. São planos que não pensam realmente o porquê e o para quê. Ou se pensam, o fazem em termos muito limitados, muito pragmáticos, apenas associados ao rendimento escolar ou à inserção em uma ordem estabelecida, ou seja, que as pessoas saibam como se comportar e como conviver com os demais.

Fonte: Revista Educação

“Cada escola deve ter uma meta desafiadora, mas possível”

“Recomendo que as escolas sejam avaliadas com base na evolução do aluno e não apenas nos níveis de proficiência”, diz o economista americano David Figlio. Especialista em políticas de responsabilização de escolas, o pesquisador orientou Estados americanos e outras nações no desenho, implementação e avaliação de políticas educacionais. Figlio fala sobre o tema hoje [17/10/11], em um seminário no Rio realizado pela Fundação Itaú Social.

Como é o programa de responsabilização escolar dos EUA?

O governo exige que todos os Estados testem anualmente as crianças do 3.º ao 8.º ano do ensino fundamental em compreensão de texto e matemática e pelo menos uma vez no ensino médio. Os resultados são apresentados em sua totalidade, mas também para subgrupos raciais ou étnicos, alunos desamparados etc. Os Estados determinam a nota mínima e as escolas devem atingir porcentagem de alunos proficientes em cada subgrupo. As que insistentemente deixam de atingir os objetivos sofrem sanções, que vão do corte de recursos até a ameaça de fechamento.

Quais os caminhos para melhorar o rendimentos dos alunos?

É uma pergunta difícil. Há poucos estudos que oferecem uma prova definitiva. Uma coisa que sabemos é que professores excelentes fazem uma grande diferença, mas não temos tido sucesso em definir formas consistentes de treinar os docentes ou em identificar quem será excelente antes de começar a lecionar. Por outro lado, as escolas conseguem estimular o desempenho dos alunos quando eles são desafiados. Fica claro, então, que há políticas e práticas que podem funcionar. Minha pesquisa atual envolve a observação do que as melhores escolas têm feito e verificar se as que fazem as mesmas coisas em diferentes contextos conseguem resultados diferentes.

No Brasil, as disparidades sociais são muito grandes…

Esse é um problema comum ao Brasil e aos EUA. Nos dois países também há uma forte relação entre os resultados dos alunos e a riqueza do corpo discente. Mas é possível criar um sistema de responsabilização que considere isso. Recomendo que as escolas sejam avaliadas com base na evolução do aluno e não apenas nos níveis de proficiência, que cada colégio tenha um objetivo que seja desafiador e, ao mesmo tempo, possível. A meta não deve ser arbitrária ou confusa. Quais os cuidados na implementação do programa? É importante tomar cuidado porque os sistemas baseados em níveis de proficiência são muito fáceis de manipular e há muitos exemplos de escolas que obtêm boas pontuações de forma artificial.

O Brasil ainda não tem um currículo nacional único. Isso prejudica a avaliação?

Os EUA também não têm. Isso não é necessariamente um problema, mas é claro que um currículo nacional único ajuda a alcançar bons resultados. Recomendo que o Brasil se esforce para evitar, por exemplo, que sejam adotados padrões diferentes de acordo com o Estado, como ocorre nos EUA.

Fonte: jornal O Estado de S. Paulo (por Ocimara Balmant)