Educação em Foco

O teórico que incorporou o afeto à sala de aula

Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência, método ou teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles deu mais importância ao amor, em particular ao amor materno, do que o suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827).

Antecipando concepções do movimento da Escola Nova, que só surgiria na virada do século 19 para o 20, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. “Segundo ele, o amor deflagra o processo de auto-educação”, diz a escritora Dora Incontri, uma das poucas estudiosas de Pestalozzi no Brasil.

A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma atmosfera de segurança e afeto. Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral – isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade. “Pestalozzi chega ao ponto de afirmar que a religiosidade humana nasce da relação afetiva da criança com a mãe, por meio da sensação de providência”, diz Dora Incontri.
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Sem notas, castigos ou prêmios

Ao contrário de Rousseau, cuja teoria é idealizada, Pestalozzi, segundo a educadora Dora Incontri, “experimentava sua teoria e tirava a teoria da prática”, nas várias escolas que criou. Pestalozzi aplicou em classe seu princípio da educação integral – isto é, não limitada à absorção de informações. Segundo ele, o processo educativo deveria englobar três dimensões humanas, identificadas com a cabeça, a mão e o coração. O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também tripla: intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples: som, forma e número. Só depois da percepção viria a linguagem. Com os instrumentos adquiridos desse modo, o estudante teria condições de encontrar em si mesmo liberdade e autonomia moral. Como alcançar esse objetivo dependia de uma trajetória íntima, Pestalozzi não acreditava em julgamento externo. Por isso, em suas escolas não havia notas ou provas, castigos ou recompensas, numa époc a em que chic otear os alunos er a comum. “A disciplina exterior, na escola de Pestalozzi, era substituída pelo cultivo da disciplina interior, essencial à moral protestante”, diz Alessandra Arce.

Bondade potencial

Tanto a defesa de uma volta à natureza quanto a construção de novos conceitos de criança, família e instrução a que Pestalozzi se dedicou devem muito a sua leitura do filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), nome central do pensamento iluminista. Ambos consideravam o ser humano de seu tempo excessivamente cerceado por convenções sociais e influências do meio, distanciado de sua índole original – que seria essencialmente boa para Rousseau e potencialmente fértil, mas egoísta e submissa aos sentidos, para Pestalozzi.

“A criança, na concepção de Pestalozzi, era um ser puro, bom em sua essência e possuidor de uma natureza divina que deveria ser cultivada e descoberta para atingir a plenitude”, diz Alessandra Arce, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o “projeto” da árvore toda.

Desse modo, o aprendizado seria, em grande parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a idéia do “aprender fazendo”, amplamente incorporada pela maioria das escolas pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo, mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores.

Fonte: Revista Nova Escola (Por Márcio Ferrari)

Ler a vida, ler o mundo, reescrever a esperança

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Em 2013 comemoramos 50 anos da marcante e simbólica experiência de Paulo Freire em Angicos, alfabetizando 300 pessoas em 40 dias, abrindo a oportunidade de o Brasil enfrentar, desde aquela época, os já 14 milhões de brasileiras e brasileiros analfabetos, números que, hoje, pasmem, (50 anos depois!) são praticamente os mesmos – isso, sem falarmos no número do analfabetismo funcional da leitura e da escrita, muito maior que isso, e que ainda assola o nosso país.

Como forma de contribuir para superar estes dados alarmantes da educação nacional é que se faz necessário a valorização da leitura em todos os seus significados e amplitudes. Registro aqui, para provocar nossa reflexão sobre o tema, três de suas variáveis: ler a vida, ler o mundo, reescrever a esperança. Ler é sempre um ato de conhecimento, de aprendizagem, de ensinamento, de crescimento pessoal e coletivo: a leitura nos inspira, alegra a nossa alma, resgata as nossas lembranças, provoca a nossa ira, causa-nos emoções, muda a nossa vida, acalma, aproxima-nos de outras pessoas e de outras culturas, fortalecendo-nos para a luta e para as transformações sociais que buscamos por meio da própria educação. Mas não basta apenas “ler”. Trata-se de ler, de tomar consciência da realidade lida e, com base nesse movimento, buscar transformar a realidade e a nós mesmos/as.

Como permanecemos em luta política contra a injustiça, seguimos também brigando por participação popular e social (Gadotti, 2013), bem como pelo direito ao acesso à leitura e à educação como direito fundamental. E arrisco-me a dizer que na atual conjuntura nacional e internacional, quem não souber ler e interpretar o que está se passando na atualidade, como processo e resultado de lutas políticas históricas, não será capaz de pronunciar a sua palavra grávida das mudanças necessárias para uma vida mais feliz para todas as pessoas. Nesse sentido, registro e reafirmo a necessidade de lermos a vida, o mundo e a esperança, reescrevendo-os sempre.

Ler a vida – trata-se de enxergar a vida que vivemos hoje, comparadas às condições que tínhamos anos atrás e de realizarmos agora os sonhos sonhados no passado, mas com coerência ética, estética, ideológica e política. E sempre praticarmos a “pedagogia da pergunta”: temos sido coerentes com os princípios e valores que defendemos outrora? Ou, ao contrário, desviamo-nos a tal ponto do nosso caminho que chegamos a negar, hoje, tudo o que defendemos ontem? Qual o sentido e o significado de estarmos hoje onde estamos? Como aproveitar as lições aprendidas no passado e como não perdermos a oportunidade de deixarmos as nossas “pegadas” na história, visando a um mundo mais justo e a uma vida mais plena e mais feliz para todas as pessoas, para todos os seres vivos e para todos os ecossistemas?

Como escreveu Paulo Freire, “não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não apenas para me adaptar, mas para mudar”. (1997, pg. 85-85). Acrescente-se a isso a perspectiva da educação intertranscultural (Padilha 2007), que tem como ponto de partida as relações entre as pessoas e, destas, com todos os ecossistemas. Os conhecimentos da ciência, da arte e da política, por exemplo, compõem este cenário de aprendizagens complexas, transformadoras, com sentido e significado.

Ler o mundo – Ler e enxergar o mundo é mais do que olhar para ele na sua superfície: é estarmos permanente e estrategicamente atentos e atentas ao que se passa ao nosso lado e ao que está distante de nós, em profundidade. É superar nosso eventual daltonismo em relação às pessoas com quem convivemos e em relação à realidade que nos cerca e em todos os espaços sociais nos quais vivemos ou por onde passamos. Ler o mundo enquanto processo que envolve aprendizes e ensinantes de suas histórias recíprocas, ambos, vivendo e dividindo processos criadores.

Como também nos ensina Freire, “desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas. O comando da leitura e da escrita se dá a partir de palavras e de temas significativos à experiência comum dos alfabetizandos e não de palavras e de temas apenas ligados à experiência do educador”. (1997, pg. 29).

Trata-se de aprofundar o que já sabemos, conhecer, desvelar e interpretar diferentes dimensões da realidade – social, econômica, política, ética, estética, ambiental, sexual, cultural, etc. – e também do real – significando tudo o que existe dentro e fora da mente humana, o que inclui o que é concreto, o que é abstrato, o que é simbólico, o que é mitológico – descobrindo o que não sabemos e estando sensíveis e humildes para aprender, com o outro, que nós mesmos podemos mudar o rumo da nossa história pessoal quanto mais estivermos abertos às mudanças.

Vivemos no século 21, às vezes ainda impregnados de princípios e valores do século 19. Aí nos perguntamos: como podemos defender transformações se nos declaramos pessoas dialógicas e mudancistas, democráticas e sensíveis, mas se não formos capazes de mudar ou de estarmos abertos a novas concepções de vida, de educação, a novas visões de mundo e de natureza humana? Como influenciarmos mudanças se nos mantivermos nas nossas certezas, nos nossos preconceitos, na nossa pseudossabedoria e nas nossas inquestionáveis certezas? Quem já não ouviu alguém dizer “eu sou assim e não mudo”! Podemos observar: quanto mais certeza temos sobre algo, maior poderá ser o tamanho do nosso erro e, também, maior possivelmente será a nossa ignorância. Paulo Freire dizia, quando nos falava de seu pensamento complexo – sem se referir exatamente à complexidade, que não é impossível estarmos certos de alguma coisa. Impossível é estarmos absolutamente certos. (1997).

Reescrever a esperança – A esperança existe mas, diante de certos contextos e desafios, temos a impressão de que, ela própria, está em nós enfraquecida. Mas com determinação e com capacidade de ler a realidade, o real e de sonhar com um mundo melhor, é que novas esperanças se inscrevem em nossas vidas e no mundo em que vivemos. Renovados em nossas esperanças, com a força dos encontros e dos projetos dialógicos, democráticos e coletivos, percebemos que, aos poucos, retomamos a força para que outras educações e outros mundos também sejam reescritos. Segundo Paulo Freire, “Mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um ‘não eu’ se reconhece como ‘si própria’. Presença que pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude”. (Freire, 1997, p. 20).

Ler a vida, ler o mundo e reescrever a esperança, significa tornar estas leituras presentes em todas as fases de nossas vidas, dentro e fora da escola em que vivemos, na qual estamos e atuamos como aprendentes e ensinantes. “A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho”. (Idem, p. 88). Ler, interpretar e transformar o mundo são práticas de quem deseja construir, efetivamente, outros mundos e outras educações, possíveis, necessárias e urgentes. Com “paciência impaciente” e com “esperança sem espera”.

Fonte: Direcional Educador (Por Paulo Roberto Padilha)

Freinet: Fonte de inspiração para ser professor

“Se não encontrarmos respostas adequadas a todas as questões sobre educação, continuaremos a forjar almas de escravos em nossos aprendizes.” 
Célestin Freinet

A Pedagogia Freinet está centrada em quatro grandes princípios: afetividade, comunicação/documentação, autonomia e cooperação. Em sua obra destacamos a afetividade como exercício que desenvolve a capacidade de um sujeito em se deixar afetar pelo outro, a comunicação dialógica integrando conhecimentos e relações, autonomia e cooperação que se complementam entre si para a construção do ser social.

Em tempos de mudanças, o grande desafio do contexto em sala de aula é conceber e vivenciar experiências educativas que contemplem esses princípios, articulando a criação de vínculos afetivos ao desenvolvimento do ser humano.

É fundamental pensar que a educação não se faz apenas com a perspectiva das questões materiais. Excelência na educação se faz quando o foco está nos processos de humanização. A partir do instante em que se passa a pensar a escola como um espaço de relações de humanização dos direitos, nós nos encontramos com o pensar de Freinet “a educação não é uma fórmula de escola, mas sim uma obra de vida”.

Escola viva pautada na comunicação, autonomia e cooperação garante que o humano se torne cada vez mais humano, pois materializa uma concepção de educação transformadora. Para que exista uma educação que transforme, é preciso uma educação que humanize, que traga a afetividade como foco, “a cultura humana será, então a flor esplêndida, promessa segura do fruto generoso que amadurecerá amanhã”. (Freinet)

O ser professor implica em vivenciar as múltiplas relações entre as pessoas, os conceitos, o contexto em que se vive, os vários objetos culturais e as formas de percepção de mundo.

O desafio deste tempo presente é perceber que os significativos avanços tecnológicos estabelecem relações virtuais que estão isolando as pessoas, portanto é imprescindível construir espaços presenciais de relações humanas, onde esteja presente o toque, a percepção do outro, o sentido que a vida tem, o respeito às perspectivas: ética, estética e política.

A ética está relacionada a tudo que é voltado à solidariedade, à compreensão humana, à troca, ao respeito ao outro. A estética a todo processo criativo, com o exercício da ludicidade, das relações voltadas para o encantamento, para o belo; uma beleza que não seja estereótipo da superficialidade, mas a beleza do exercício de olhar para o mundo com os olhos de quem quer enxergar, enxergar várias formas, de arte, de expressão. E a política? É a dimensão da cidadania, da participação, do exercício efetivo dos direitos. Acreditamos que uma educação de excelência deve contemplar essas dimensões em sua profundidade, sem esquecer que não se faz excelência sem as relações presenciais.

O professor, ao se perceber como um ser reconhecido socialmente, consegue fazer  a ponte entre o significado de seu fazer e a função social que a escola exercita.

Ser professor é ser materializador de sonhos, ser professor é ser construtor de identidades humanas. Ser professor é entender que “a democracia de amanhã se prepara na democracia da escola”. (Freinet)

Portanto é preciso entender o professor como uma autoridade construtora de seres humanos humanizados. Nesse contexto histórico nunca se precisou tanto de um professor. Este precisa de um espaço de reflexão com seus grupos, com seus pares.

“Seria necessário lembrar aos pais e professores que um educador que já não tem gosto pelo trabalho é um escravo do ganha-pão e que um escravo não poderia preparar homens livres e ousados; que o professor não pode preparar alunos para construírem, amanhã, o mundo dos seus sonhos, se você não acreditar nessa vida; que não poderá mostrar-lhe o caminho se permanecer sentado, cansado e desanimado, na encruzilhada dos caminhos”. (Freinet)

Andando por esse país inteiro, o que identificamos a cada momento é que o professor quando chamado para desenvolver uma ação proativa, ele corresponde, ele tem desejos, e apresenta muitas iniciativas.

Cada vez que desenvolvemos com o professor essa competência ele vai construindo e reconstruindo o seu cotidiano, socializando e valorizando as suas experiências. Assim, olhamos para ele com o olhar de quem possui saberes próprios da docência e que esses saberes merecem ser compartilhados.

Temos muita esperança de que os professores deste país, frente a todas as adversidades, continuem constituindo espaços de construções relacionais. O professor precisa ser o centro que acredita nesse movimento dos aprendentes e ensinantes e dos ensinantes e aprendentes em ações dialógicas. Quanto mais se desenvolver essa prática, quanto mais espaço se der para essa discussão, mais poderemos construir coletivamente. Freinet era adepto das pedagogias ativas e colocava o trabalho como elemento central na organização das aprendizagens escolares. Sua pedagogia baseava-se na cooperação entre os alunos e os educadores, e os tempos e espaços escolares deveriam ser estabelecidos em função do interesse dos alunos.

“Esperamos dos professores, trabalhadores ativos, de iniciativas generosas; o cidadão cioso das suas liberdades, mas capazes de se disciplinar para servir cooperativamente as causas justas; os homens que saberão sair das fileiras e partir para a vanguarda, enfrentando temerariamente as dificuldades; os pioneiros que por vezes importunam, os monges e os religiosos, os exploradores e os robôs, os soldados e os burocratas, mas que avançam, progridem, constroem e criam”. Freinet

Frente aos pensares de Freinet diríamos que o professor é um mobilizador, é um articulador que trabalha com a perspectiva coletiva, constrói uma relação de compromisso ético com o seu grupo, compromisso de construção, compromisso de olhar para a totalidade, compromisso com a afetividade, comunicação, autonomia e cooperação.

A postura do professor é fundamentada em diferentes olhares: a) – olhar para a escola enquanto um movimento em que todos os participantes têm papel decisivo; b) – olhar da singularidade fundamental quando cruzado com o coletivo; c) – olhar para a relação da prática educativa e os discursos, esse alerta é muito importante, precisamos tomar cuidado com um discurso extremamente elaborado e uma prática empobrecida; d) – olhar estruturante, a forma de como são organizados os momentos de reflexão e os espaços nesta relação entre os seus pares; e) – olhar da ação junto às famílias, à comunidade, considerando que a família precisa ser parceira dos professores na construção dos olhares dos aprendizes; f) olhar do acreditar na perspectiva de superação e de transformação dos seres em processos de desenvolvimento humano. 

À medida que o professor possibilita uma aprendizagem significativa, em que a cada espaço o aluno faça uma relação com o seu cotidiano, o professor se compromete não apenas com o aqui e o agora, mas com a comunidade, com a sociedade, com um olhar mais amplo. É nesse momento que o professor constrói, de fato, a possibilidade de uma geração que está aí, precisando tanto de referências para se constituir como um cidadão democrático.

A aprendizagem na escola é um passaporte imenso para poder entender e transformar tantas situações adversas que estamos vivenciando. Falar em educação de excelência é perceber que o foco de uma escola é o aprendiz. E o aprendiz não é apenas a criança, mas também o professor, as famílias, a comunidade.

A imersão na pedagogia Freinet possibilita tanto ao aprendiz refletir e identificar o que está fazendo com a sua vida como ao educador compreender qual o sentido que está dando para os projetos educativos vivenciados e como pode contribuir para romper com a alienação, porque “a Escola Moderna não é nem uma capela nem um clube mais ou menos restrito, mas, na realidade uma via que nos conduzirá àquilo que, todos juntos, construirmos.” (Freinet)

A relação de humanização desse momento histórico é talvez a maior contribuição que o educador tem a realizar para o exercício da cidadania, considerando que o conhecimento é para constituir o humano mais competente para ser feliz, para ter espaço na vida, para acreditar nas pessoas, para poder, de fato, ecologicamente, acreditar num universo que não destrua a si mesmo, que não fique apenas voltado a questões de controle, do exercício de exterioridade, mas que tenha essa noção de vida abundante, pulsante a cada segundo.

Nas reflexões de Freinet, encontramos o olhar de uma educação que não seja alicerçada em rótulos frívolos, uma educação inclusiva em sua essência, uma educação que traga para cada um o seu contexto para pensar a totalidade; um movimento profundamente responsável que revele implicações, mexendo com conceitos fundamentais de comunicação, de cooperação de autonomia e de afeto. É um movimento de quebrar cristalizações, de desconstruir conceitos autoritários, ainda historicamente existentes em nossa cultura porque conforme dizia Freinet,  “Nós nos habituamos todos de tal forma a comandar as crianças e a exigir delas uma obediência passiva que não pensamos na possibilidade de haver outra solução para a educação que não seja a fórmula autoritária”.  

Necessitamos entrar na essência das questões, debater com profundidade e percebermos o nosso ser nas relações que efetivamente construímos.

Concluindo, “o educador não é um forjador de cadeias, mas um semeador de alimento e de claridade” (Freinet). O Educador é um fundador de mundos.

Por Emilia Cipriano

Fonte: Direcional Educador

 

Papel e caneta são melhores para memória do que computador, diz pesquisa

Um estudo publicado recentemente na revista científica “Psychological Science” indica que fazer anotações no papel é melhor para o estudo do que fazê-las em computadores.

De acordo com a pesquisa, os participantes que fizeram notas em papel sobre algumas palestras tiveram melhor desempenho nos testes realizados posteriormente do que os que usaram o notebook, mesmo com ele desconectado da internet.

O levantamento foi feito com estudantes das universidades norte-americanas de Princeton e UCLA (Universidade da Califórnia).

Em um dos testes realizados, os pesquisadores exibiram uma palestra online a 65 alunos. Alguns deles puderam utilizar o notebook — desconectado da internet — para fazer suas anotações, enquanto outra parte utilizou caneta e papel. Todos foram orientados a usar as estratégias que normalmente usam para fazer suas notas.

Depois de 30 minutos, os participantes responderam a um teste com questões sobre os assuntos abordados na palestra.

Os que usaram canetas registraram de 100 a 150 palavras a menos dos que os que digitaram suas anotações. No entanto, o grupo que usou o notebook teve uma compreensão mais rasa dos conteúdos apresentados, principalmente porque muitos acabaram transcrevendo o que ouviram em vez de refletir sobre o assunto e destacar apenas os pontos importantes.

Diante desse resultado, o estudo alerta que transcrever algo literalmente ao invés de processar as informações e reformular o conteúdo com as próprias palavras é prejudicial para a aprendizagem. Além da eficiência de usar o papel, os pesquisadores identificaram que revisar os conteúdos antes de um teste também é benéfico para o aprendizado.

O levantamento foi realizado por Daniel Oppenheimer, da Universidade da Califórnia, e Pam Mueller, da Universidade de Princeton. 

Fonte: http://educacao.uol.com.br/

A nova geração de alunos

Aos quatro anos, a pequena Manuela Pockrandt Robaina já domina as “manhas” do iPad dos pais. Liga sozinha o aparelho – se for necessário, sabe desbloqueá-lo e digitar a senha que libera o acesso –, e diverte-se com vários jogos de desenhar, montar quebra-cabeça, andar por um labirinto, entre outros.

Ela também manipula com tranquilidade o iPhone do pai, no qual sabe acionar jogos e visualizar fotos, ou seja, é bem familiarizada com a tecnologia touch. Conhece o Facebook e assiste a vídeos no Youtube, sempre com a supervisão dos pais. Na escola, Manuela, que frequenta a educação infantil – está no nível Infantil V – em uma escola particular de Curitiba (PR), também já tem contato com o computador, na Biblioteca, onde desenvolve com seus colegas, uma vez por semana, atividades lúdicas e educativas.
 
Manuela faz parte da mais nova geração de pessoas do planeta: a Geração A, formada pelos pequenos que estão nascendo agora e têm até 12 anos de idade. Juntamente às gerações Z e Y, as crianças dessa geração compõem o grupo dos estudantes que frequentam a educação básica – ensinos infantil, fundamental e médio – atualmente. Em comum, essas gerações têm o fato de terem nascido ou crescido na chamada era digital, dominada pelo computador e pela internet. Fato determinante para moldar novas características no perfil do aluno e exigir, da escola e do professor, atualização constante. A filósofa Tania Zagury, professora-adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Educação e autora do livro O professor refém (Editora Record), entre outros títulos, destaca a multifuncionalidade – ou capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo –  e o imediatismo – ou falta de paciência para esperar resultados – como as principais características dessas novas gerações. “No entanto, eles se adaptam bem a mudanças e são bastante criativos, por estarem sempre em contato com novas tecnologias, eles assimilam [as informações] com bastante rapidez, estão acostumados a sempre ter [contato com] novidades”, ressalta Tania.
 
E como despertar – e prender – a atenção desses alunos que, como a pequena Manuela, têm contato desde cedo com a tecnologia, o que propicia um variado cardápio de novidades e possibilidades interativas? O que fazer numa sala de aula em que a maioria tem como características dominantes o imediatismo, a impaciência e a sede pelo novo? Enquanto isso, por outro lado, o professor esbarra em questões práticas, como a falta de tempo para se reciclar, o pouco contato com a tecnologia – cujos aparatos demandam investimento financeiro –, entre outras dificuldades. Para a psicóloga Rosely Sayão, consultora educacional, escritora e colunista da Folha de S. Paulo, é um equívoco as escolas introduzirem o “aparelho tecnológico” quando poderiam usar a “linguagem tecnológica”. “Eu vejo as escolas distribuindo tablets, não sei se isso adianta. Usar a linguagem, mais do que qualquer outra coisa, e assim entrar no mundo em que eles são acostumados a entrar. Comunicar, basicamente, é a comunicação”, afirma a psicóloga.
 
Rosely não acredita que a presença maior da tecnologia na vida das pessoas tenha alterado o perfil das crianças dessas novas gerações. “A criança usa essa ‘traquitana’ tecnológica como brinquedo, e brinquedos tecnológicos a gente sempre teve, é claro, que cada um de acordo com a tecnologia da época. Ela brinca com o tablet, o celular, sabe mexer, joga, mas, na escola, não faz diferença”, observa a psicóloga. E completa: “vai fazer uma diferença maior lá no final do ensino fundamental, no ensino médio, quando eles [os alunos] já têm outros usos para isso [os aparelhos tecnológicos], que não só o uso lúdico”.
 
A partir daí, a orientação da especialista é introduzir diversidade na aula. “Eu não descarto a aula expositiva, mas só a aula expositiva ficará entediante. É preciso alternar, diversificar mesmo a didática em sala de aula”, considera Rosely. E sugere: um dia uma aula expositiva, no outro dia uma aula com trabalho em grupo, e, em outro dia, um assunto atual. “Nós temos tantas possibilidades de mudar o jeito de dar aula. Creio que a tecnologia traz de interessante justamente isso: a diversidade. Uma criança, um adolescente fica horas em frente a um computador, a um tablet, porque não se mantêm na mesma página: experimenta um jogo, vai para um bate-papo, lê uma notícia que interessou, pergunta a respeito do trabalho que precisa fazer, ou seja, há uma diversidade. Essa é uma característica que a tecnologia trouxe e que os professores podem usar, sem, necessariamente, usar o aparato tecnológico”, explica.
 
Tania acredita que o professor da atualidade deve ter como objetivos atingir duas etapas: a primeira é conquistar a atenção e o interesse do aluno e, a segunda, é deslocar esse interesse para o aprendizado do conteúdo. “Esse é o grande desafio do professor. Se por um lado ele [o aluno] é capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo, por outro ele também perde o interesse pelas coisas muito rápido, e tem um poder de concentração menor”, analisa. Ela comenta que o estudante, ao ter acesso a tantas benesses da tecnologia, chega à escola e acha chato, desagradável, monótono. “Numa sala com 35, 40 alunos, o professor não tem condição de usar o tempo todo recursos multissensoriais. O grande desafio do professor é tornar a sala de aula atraente para que esse aluno motive-se para o estudo”, afirma a educadora.
 
Professor on-line
 
O professor de Química, Levi Gonçalves, leciona há 24 anos e sabe bem o que significa esse desafio. No Colégio Santa Marina, de São Paulo, ele dá aulas para turmas dos ensinos fundamental ao médio. “As escolas estão se adaptando à época em que vivemos, uma época de disponibilização mais constante de informações. Precisamos lidar com várias situações ao mesmo tempo e, para interagir com a turma, temos que usar as tecnologias”, comenta. O professor conta que a escola já adota lousa digital, projetores multimídia, tablets e computadores em sala de aula e, para isso, a escola ofereceu um treinamento aos docentes. “O professor tem que se atualizar e se preparar para o uso dos recursos midiáticos”, completa. Gonçalves usa blog, Facebook, MSN e e-mail. “Estamos em uma época muito interativa e isso acontece na vida pessoal e na profissional”, afirma. Ele acredita que o acesso a tanta informação exige a formação de alunos mais críticos, capazes de serem exigentes com fontes e de analisar os meios antes de buscar informações.
 
O professor lembra que disputar a atenção do aluno – na atualidade com os equipamentos tecnológicos – não é uma novidade. Isso já aconteceu com a televisão, por exemplo, e há tempos acontece, no caso dos adolescentes, com os shoppings, os shows. “A gente tem que evoluir junto, se ficarmos só na lousa e no giz, certamente perderemos a atenção do aluno e ficaremos sem atingir nosso objetivo”, alerta.
 
Uma experiência diferente movimenta as turmas do ensino médio, durante as aulas de Química com o professor Levi. Ele incentivou a criação de um blog (http://chemistryonboard.blogspot.com.br/), que é alimentado pelos próprios alunos. No espaço, são registradas as experiências realizadas no laboratório da escola: cadeia carbônica, separação de misturas, determinação da carga elementar, entre outras. Os alunos fotografam e filmam os testes e as explicações. “Com o blog, eles se tornam produtores e distribuidores de informações”, comenta o professor. Unir o conteúdo da disciplina com os recursos tecnológicos, na opinião dele, ajudam a facilitar o aprendizado. Ele ainda sugere que as redes sociais e as ferramentas de bate-papo também sejam utilizadas para o debate do conteúdo e informações sobre trabalhos escolares. “A tecnologia faz a gente ser mais produtivo, tanto o professor como o aluno”, atesta.
 
No entanto, Levi ressalta que o cérebro não mudou, e que ainda são necessários os momentos de estudo. “O aluno tem que manter momentos de estudo para absorver a quantidade de informações recebidas, ou o aprendizado não vai ocorrer. Por isso, essa necessidade permanece, isso não muda”.
 
Para Tânia de Sá Custódio, professora de Geografia também na escola Santa Marina e da rede pública de São Paulo, a chegada da tecnologia é algo complexo. “Para a minha geração, foi um choque”, afirma a professora que está há 25 anos no magistério. Com experiência nas duas redes – pública e particular –, Tânia comenta que na rede privada a escola exige mais do professor em relação à capacitação na área de tecnologia, e para isso investe em cursos e coloca os docentes em contato com especialistas. Na rede pública, há pouco investimento em relação à formação do professor, mas também não há tanta exigência na questão digital. “Na escola particular, nos comunicamos por e-mail, enquanto, na pública, essa comunicação é por meio de bilhetes”, conta – um exemplo que situa bem as diferenças entre as duas realidades, da escola pública e da privada.
 
O aluno de uma escola e de outra também é diferente. “Na escola particular, a geração é digital mesmo”, afirma Tânia. “Isso é um transtorno, às vezes, pois temos que controlar os alunos conforme as regras da escola em relação ao uso de celular e tablets”, comenta. Ao mesmo tempo, Tânia aproveita as facilidades da tecnologia. Fatos da atualidade, como a morte do presidente venezuelano Hugo Chávez e a escolha do novo papa, puderam ser pesquisados em sala de aula. “A internet é um recurso que não pode ser dispensado, mas deve ser uma forma de uso orientada, direcionada”, acredita.
 
A professora Tânia sente que os alunos, apesar de mais dinâmicos, não têm concentração total em determinadas situações. “Eles estão acostumados com atividades mais dinâmicas, então, ao usarmos a lousa digital, a internet, eles prestam mais atenção”, conta. O fato de o aluno ser multitarefa é ótimo, mas a aula para esse perfil de aluno requer do professor, na opinião de Tânia, maior preparo, mais leitura e análise, mas o docente, muitas vezes, não tem tempo disponível para isso. “Às vezes, o professor recebe das mãos do aluno um material que ainda não viu ou aprende com eles a usar um determinado programa [de computador]”, admite. Nesses casos, Tânia procura pesquisar e se informar para poder interagir em sala de aula. “Senão, o professor se torna um dinossauro”, adverte.
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Fonte: revista Profissão Mestre (por Carolina Mainardes)

A aula depois da guerra

Moçambique completa duas décadas de paz neste ano. Após dez anos de Guerra de Independência contra Portugal e mais 16 de guerra civil, o país africano, um dos 20 mais pobres do mundo, com o quarto pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),encontra-se em fase de reconstrução.

Durante os últimos anos, seu sistema educacional passou por uma grande expansão: hoje, mais de 90% das crianças estão matriculadas no ensino primário (equivalente ao ensino fundamental brasileiro), segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e cerca de 12 milhões de crianças estudam em salas apropriadas. Apesar das conquistas, a incapacidade de abrigar de forma eficaz o grande número de estudantes, a insuficiência de professores, a falta de formação de boa parte deles e a ausência de uma política de educação infantil indicam que o cenário ainda é desafiador.

O sistema educacional moçambicano foi altamente afetado pelo contexto político ao longo da história do país. Até a independência em 1975, o ensino formal estava restrito aos portugueses residentes no país, que dispunham de colégios públicos nas grandes cidades, e às escolas de missões católicas e protestantes, poucas para atender a toda a população. Com a Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura do Estado Novo português, Moçambique deixou de ser uma província ultramarina de Portugal, e o governo foi entregue à Frente de Libertação de Moçambique, a Frelimo. O grupo, de caráter marxista, lutara pela libertação por uma década e, então, tinha o desafio de estabelecer um sistema de Educação Básica para uma população composta em 93% por analfabetos.

Não tardou para que, assim terminada uma guerra, começasse outra. Esta desestabilizaria o país de uma vez por todas, prejudicando especificamente a educação. Um grupo de dissidentes da Frelimo, inconformados com um governo socialista, de partido único, e sustentados pelo regime do apartheid da África do Sul e por outros países vizinhos, formou a Resistência Nacional Moçambicana, a Renamo, que travou uma dura guerra civil com o outro partido, encerrada em 1992. “Durante a guerra, quando os integrantes da Renamo invadiam os vilarejos, atacavam primeiro as escolas e assassinavam os professores”, conta Teresa Miguel, pedagoga que integra o núcleo de Educação Pré-Primária do Ministério de Educação. Ela afirma que houve um esforço enorme do Ministério para promover as bases de uma educação primária, mas que as circunstâncias não eram em nada favoráveis. “A guerra destrói famílias; é difícil pensar em educação, quando se está a fugir de armas.” Hoje, Frelimo e Renamo são dois partidos políticos que disputam pacificamente o poder.

Nesse contexto, a instituição de um sistema educacional aconteceu a passos lentos. A criação do Sistema Nacional de Educação só ocorreu em 1983. A caminhada pelo acesso à educação gratuita também começou no início da década de 1980. Em Moçambique, a oferta do ensino primário é garantida pelo governo. Hoje, estudam 6,5 milhões de alunos no ensino primário em 12 mil escolas. Entretanto, há 8,5 milhões de estudantes matriculados — o país carece de escolas. E boa parte das que existem encontram-se lotadas. Aulas debaixo das árvores são comuns. Das sete instituições de ensino visitadas na província de Maputo, onde ficam as cidades de Matola, Manhiça e Maputo, duas tinham turmas acompanhando aulas debaixo de árvores. Segundo a Agência de Informação de Moçambique, 700 mil alunos estudam ao ar livre.

Uma das escolas (ainda sem nome registrado), localizada na zona rural de Manhiça, tem somente duas turmas estudando dentro de salas de aula. Estas salas são feitas de caniço e estão em condições precárias. Só uma delas tem teto. O diretor Fernando João explica que esta é usada pelos alunos da 5ª série: “Eles precisam de mais concentração, por causa dos exames finais. Todos os outros são prejudicados”. As outras dez turmas estudam debaixo de árvores. A diretora da Escola Primária 5 de Fevereiro, Sonia Tamele, comenta que tem 120 alunos, neste ano, estudando à relva. “O problema é que, se chove, não tem aula. Debaixo da árvore, há o sol, o vento e, no inverno, o frio.” Não fosse a implantação, no ano passado, de um terceiro turno, o noturno, esse número seria ainda maior.

Essa foi, aliás, uma solução encontrada por algumas escolas para atender a todos os alunos que procuram se matricular. É o caso da Escola Primária 19 de Outubro, que passou a ter turmas à noite. Até 2011, tinha também classes debaixo da árvore, agora recebidas em salas de aula. À noite, estudam somente os alunos mais velhos, por causa da violência urbana. Em todo caso, medidas paliativas parecem não resolver esse problema. Em 2005, o Ministério da Educação desenvolveu o Projecto de Construção Acelerada de Infraestruturas Escolares. Era um programa ambicioso: previa construir seis mil salas de aula por ano, meta que não foi alcançada. Desde 2005 foram construídas apenas quatro mil salas de aula para os alunos de ensino primário. O entrave é a falta de verba, segundo o próprio Ministério.

Os recursos dos quais o país dispõe também não são suficientes para que haja uma quantidade ideal de professores. Até 2010, contratavam-se 10 mil professores para o ensino primário anualmente, quando o necessário seria entre 15 mil e 20 mil. Neste ano, serão contratados somente 8.500. O vice-ministro da Educação, Augusto Jone Luis, conta que o primeiro passo dado pelo governo da Frelimo na década de 1970 foi a criação de centros de formação de professores. Segundo ele, em 1975, dois terços dos professores tinham concluído até a 4ª série. Hoje, formam-se 12 mil anualmente nos centros de formação técnica fomentados pelo Estado, mas nem todos são contratados. “Isso por causa da baixa capacidade financeira do país”, explica.

O curioso é que o nível de formação exigido para quem deseja lecionar é outro: basta ter concluído a 7ª série. Dos seis professores que lecionam na Escola Comunitária de Magude, somente um, o professor Horácio Mutembe, é graduado em pedagogia, o que é raro no país. Geralmente, os poucos cursos de pedagogia são frequentados por quem deseja trabalhar no governo. Uma situação recorrente é encontrada na Escola Secundária do Infulene, em Matola, onde  o professor Luiz Carlos Paz, apesar de ser estudante de engenharia, leciona artes para todas as séries secundárias. Muitos de seus colegas têm esse perfil.

Para piorar o quadro, os professores precisam lidar com as mais diferentes situações dentro da sala de aula. “Crianças vêm à escola às vezes sem comer e desmaiam”, diz a diretora e professora Percina Tembe, da Escola Primária 19 de Outubro. Além da fome, não é incomum deparar-se com estudantes deitados no chão, com febre, desfalecidos pela malária. Outro grande desafio é reduzir a desistência.  Os professores contam que muitos alunos, quando passam dos dez anos, são levados pelos pais para trabalhar nas lavouras, e que outros são desmotivados quando não conseguem passar nas provas finais por não saberem ler. As provas finais da 5ª série exigem um conhecimento de escrita que muitos não chegam a desenvolver, mesmo estudando por cinco anos. De acordo com o Unicef, quase metade das crianças em idade escolar no ensino primário abandonam a escola sem nem mesmo concluir a 5ª série.

Um dos planos do Ministério da Educação para enfrentar o problema da desistência e para aprimorar a qualidade do ensino é concentrar os esforços na educação infantil. Não existe uma política para a etapa — não há sequer creches públicas. As escolinhas (como são conhecidas as creches no país) em atividade são privadas. O chamado ensino pré-primário é gerenciado pelo Ministério de Ação Social e da Mulher, porém o vice-ministro da Educação garante que, neste ano, seu Ministério voltará a assumir as rédeas. “Percebemos que os alunos que chegam ao ensino primário vindos de escolinhas têm um desempenho muito melhor que os demais e dificilmente desistiam.” Em Moçambique, muitas crianças vão ao ensino primário logo que completam seis anos. Ele afirma que as escolinhas são um primeiro ambiente de socialização, capazes de habituar as crianças a um espaço de convivência e aprendizado.

Mas elas sofrem dos mesmos problemas que as escolas regulares: a infraestrutura é parca, há poucas e apertadas salas de aula e um número reduzido de professores. As complicações estruturais e os problemas de pobreza e saúde pública persistem como ecos das guerras que assolaram o sistema educacional do país durante 26 anos. Mas, a despeito delas, a educação sobrevive — nem que seja com uma sala de aula improvisada, ao ar livre, debaixo de uma árvore.

Fonte: revista Educação (por Estevan Muniz)

De olho no professor

Está em curso um movimento global que busca formas mais justas de se conhecer a eficiência do profissional decisivo em qualquer processo educativo: o professor. No noticiário internacional, o fluxo de informações sobre países que recentemente adotaram modelos de avaliação docente ou estão repensando seus sistemas atuais é alto.

O tema é a bola da vez em diversos países: Chile, Argentina (Buenos Aires, mais especificamente), Peru, México, Equador, França, Portugal, Estados Unidos e, claro, o Brasil, que anda às voltas com o prometido Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente, previsto para sair do papel em 2012.

“É um tema que está sendo proposto em todo o mundo. Se entendemos que o docente é um profissional, precisamos admitir que existem características que definem uma profissão, o que inclui a formação inicial, as regulamentações e também a avaliação”, explica a pesquisadora Denise Vaillant, da Universidade do Uruguai e presidente do Comitê Científico do Observatório Internacional da Profissão Docente, com sede na Universidade de Barcelona, na Espanha. A definição de um sistema de avaliação docente se torna polêmica na medida em que exige respostas para uma pergunta incômoda: o que um bom modelo de aferição deve levar em conta?

A resposta é complexa. Além de contemplar a avaliação de todas as atribuições do professor (que, no geral, ainda não foram sistematizadas), esse modelo precisa incorporar o contexto (socioeconômico e cultural, por exemplo) em que esse profissional trabalha. Uma análise atenta dos diversos sistemas educacionais e das práticas levadas a cabo por escolas brasileiras revela a existência de algumas “correntes” no que diz respeito à avaliação de professores. Elas são instituídas tanto no momento em que o docente ingressa na profissão (por meio de exames de conhecimento que o certificam) ou ao longo da trajetória profissional (para monitorar ou para integrar o profissional a um plano de carreira).

Diversas medidas

No âmbito das escolas, a tentação mais imediata é perguntar para aqueles que, em tese, são os maiores interessados em boas aulas: os alunos. Evidentemente, segundo o especialista em avaliação Tadeu da Ponte, do Instituto Primeira Escolha, é uma estratégia que envolve riscos – como a de considerar bons os que caíram na preferência dos jovens e de expor os que entram em linha de conflito com os interesses da garotada. Há o perigo de criar um ambiente de desconfiança e de quebrar os necessários vínculos, se não forem tomados cuidados com o uso equilibrado dos resultados, a confidencialidade e o feedback para os professores. “A avaliação não deve ser contra o professor, mas uma maneira de contribuir para a melhoria de seu trabalho”, diz Tadeu.

Uma forma adotada frequentemente pelas escolas é a autoavaliação, ou seja, quando os professores preenchem questionários sobre o próprio desempenho e estabelecem planos de aprimoramento ou de metas acordados com os colegas ou os diretores. A autoavaliação, embora vulnerável a distorções, é um recurso que vem sendo valorizado, pois é um complemento necessário ao olhar externo – permitindo contextualizar os resultados do avaliador que não vive o cotidiano da escola. Um projeto realizado pela Fundação Bill & Melinda Gates  – Measures of EffectiveTeaching (MET, Medidas da Eficácia Docente, em tradução livre) – traz uma perspectiva complementar à autoavaliação: a possibilidade de que os docentes apontem, no questionário, suas condições de trabalho, características do ambiente da escola e o apoio que recebem para trabalhar. O MET está sendo desenvolvido para identificar e testar medidas do desempenho docente em sete cidades norte-americanas: Charlotte, Dallas, Denver, Hillsborough County, Memphis, Nova York e Pittsburgh. 

Outro caminho de aferição, mais usado em âmbito sistêmico, é o uso de provas de conhecimento, já que se pressupõe que o professor deve saber o que ensina e estar a par dos fundamentos teóricos que embasam sua profissão. Entretanto, isso não assegura que saberá ensinar o que aprendeu. Ao contrário da ideia que predominava no século passado, o chamado “bom” professor não é apenas aquele que sabe muito, mas o que consegue produzir mais aprendizagem, para o maior número de alunos possível em sua sala de aula. “Avaliar implica, também, discutir os critérios que caracterizam um bom professor”, diz Francisco Soares, professor do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (Game) na mesma universidade e uma das principais referências brasileiras no tema.

Aluno determina o professor

O processo de definição de tais características é complexo, além de estar sempre exposto ao risco das subjetividades. Ainda no plano das redes, hoje são mais comuns as avaliações do professor por meio do resultado de seus alunos. No Brasil, isso vem sendo feito por estados como São Paulo e Rio Grande do Sul, como estratégias de identificar escolas – e não professores, individualmente – que registram avanços nos indicadores de rendimento nas provas oficiais. Nesses estados, o modelo de mirar no desempenho dos alunos para instituir a medida da qualidade docente subsidiou as políticas de bonificação por desempenho. Em ambos os casos, estabeleceram-se gratificações monetárias para as escolas que atingiam metas de elevação de rendimento dos alunos em matemática e português.

Tão logo assumiu a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, há um ano, o engenheiro e ex-reitor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Herman Voorvald, manifestou sua intenção de mudar as linhas de avaliação docentes definidas em administrações anteriores. Para ele, nem sempre a avaliação do sistema atesta o comprometimento e o desempenho dos professores. A crítica de Voorvald encontra eco em outros lugares. Recentemente, travou-se em Nova York uma batalha judicial entre professores e gestores públicos sobre a publicação de uma lista em que a qualidade docente era associada aos resultados de seus alunos em provas padronizadas.

O questionamento é bastante compreensível. Como distinguir entre o resultado do trabalho de um professor que atua em uma escola de classe média em cidades ricas do interior daquele realizado por professores nas periferias, nas quais os contextos sociais pesam mais do que o talento ou o empenho em ensinar? Igualmente complicado é separar quais fatores de influência pertencem às escolas, à estrutura, às condições de trabalho e, finalmente, às competências docentes. Hoje, os baixos resultados dos alunos nos exames oficiais não significam apenas que há problemas no ensino, mas que crianças e jovens padecem de um mal sistêmico, que começa no posto mais alto da hierarquia. “A avaliação de rendimento dos alunos examina ao mesmo tempo o trabalho do governo federal, das secretarias de Educação, dos diretores e, por fim, dos professores. Há toda uma linha de responsabilidades descumpridas”, diz Cipriano Luckesi, doutor pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e autor de livros sobre o tema.

A busca pela discriminação do grau de influência dos diferentes fatores na aprendizagem pareceu encontrar uma luz no fim do túnel com o avanço da metodologia denominada “modelo de valor agregado”. Por complexos procedimentos estatísticos e acompanhando longitudinalmente o desenvolvimento dos alunos, os pesquisadores tentam separar o que os alunos sabem e aprenderiam mesmo sem a escola e aquilo que efetivamente ganharam ao passar pelos bancos escolares. Em tese, assim seria possível discriminar com mais exatidão o quanto do avanço estudantil poderia ser creditado a bons professores. Embora tenham ganhado um crescente número de adeptos e apontado caminhos novos, as técnicas de valor agregado começam também a entrar em uma fase de questionamentos sobre os resultados obtidos, na intrincada malha de cálculos envolvidos.

Mais recentemente, tornaram-se conhecidas técnicas de avaliação com filmagens de aulas e análise de portfólios de professores, bem como de propostas de aula. Estas estratégias vêm sendo valorizadas por permitir um acompanhamento mais efetivo do que acontece em sala, depois que a porta se fecha. Ao mesmo tempo, o registro permite um acompanhamento mais individualizado do docente. No programa norte-americano MET, as aulas são gravadas e analisadas posteriormente pelos próprios docentes. Além disso, avaliadores externos dão “notas” aos profissionais – os critérios foram elaborados em parceria com pesquisadores e especialistas em desenvolvimento profissional. São avaliados aspectos como a habilidade do professor de estabelecer um ambiente positivo de aprendizagem, sua capacidade de gerenciar a sala de aula e de dar devolutiva aos estudantes. A aplicação de tais estratégias para milhares de professores sempre parece um impeditivo. “De fato, a questão da escala pode ser um problema para um país, mas não para redes menores, como a dos municípios”, sugere Denise.

[…]

Avaliar o quê, como e para quê

[…] Segundo estudo elaborado por Denise Vaillant, muitos dos obstáculos às propostas de avaliação docente são gerados quando ganham contornos de dispositivos de controle ou quando o avaliador é um agente externo sem legitimidade para a categoria. Provocam resistência também a percepção de que o discurso político sobre o tema se choca com a realidade vivida pelos professores e quando os critérios avaliados são contraditórios em relação àqueles utilizados na contratação dos docentes. Por fim, no plano conceitual, geram reação as aferições que desconsideram o contexto vivido pelo professor ou que levam em conta apenas aspectos cognitivos.

De outro lado, diz a pesquisadora, as propostas que avançam no cenário contemporâneo têm características diametralmente opostas: buscam uma abordagem mais sistêmica, promovem a participação e o envolvimento dos atores implicados, respeitam o trabalho docente e têm como pano de fundo processos de melhoria do sistema educativo, com redes de apoio ao trabalho do professor. Essa perspectiva da avaliação se opõe, por exemplo, às que estão focadas unicamente na remuneração. “Ao invés de pagar pelos resultados, a avaliação pode identificar as necessidades de formação dos professores e apoiá-los”, sugere a pesquisadora Margarita Zorrilla, doutora em educação e diretora do Instituto Nacional para a Avaliação de Educação, no México.


Fonte: revista Educação (por Paulo de Camargo) 

Educadores questionam nova base do Ensino Médio

Dar identidade à etapa mais problemática da educação básica em 23 artigos de uma resolução e em 50 páginas de um parecer, permitindo que as escolas permeiem seus currículos com os conteúdos de quatro dimensões: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. É esse o objetivo das novas diretrizes curriculares para o ensino médio, homologadas pelo Ministério da Educação (MEC) no início do ano, que tem recebido críticas de especialistas quanto à sua utilidade.

As novas diretrizes tentam inserir “procedimentos que guardem maior relação com o projeto de vida dos estudantes como forma de ampliação da permanência e do sucesso dos mesmos na escola”. Ou seja, tentam deixar a escola mais atraente com a ideia de inserir conteúdos relacionados às quatro dimensões na base curricular.

Na prática, as escolas são obrigadas a discutir o documento – que é mais doutrinário que mandatório -, mas sem desobedecer à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, onde estão fixadas as disciplinas obrigatórias.

Os críticos afirmam que o documento apenas legitima o que já existe: uma enxurrada de disciplinas que são voltadas para o vestibular. “O Brasil não diversifica e mantém a ideia que todo mundo tem de fazer a mesma coisa. É um ‘pau de sebo’, um sistema que mais expulsa que inclui”, diz João Batista, do Instituto Alfa e Beto. Para ele, o texto das diretrizes tem uma “erudição boba”. “Não vai mudar nada. Isso das quatro dimensões é só envelope. As escolas não vão deixar de dar o que cai na Fuvest. “

O economista Cláudio Moura e Castro tem opinião semelhante. “O vestibular é coisa para gênio. É uma montoeira de matéria que rebate no ensino médio. Resultado: ninguém aprende, só decora”, afirma. “No resto do mundo há segmentação. Só a Alemanha tem quatro alternativas. Os Estados Unidos têm um programa muito aberto e dificilmente um aluno faz os mesmos cursos que o outro.”

Para especialistas em educação básica, as novas diretrizes não resolvem o problema, mas apresentam pontos positivos. “São mais verborrágicas que práticas”, diz Wanda Engel, do Instituto Unibanco. Ela elogia a possibilidade de flexibilização da grade em regimes semestrais e as matrículas por disciplina.

Priscila Cruz, do Todos pela Educação, afirma que o ensino médio precisa de um projeto muito mais estruturante. “Acredito em soluções mais individualizadas e segmentadas, porque há muitas diferenças. E a escola tem de fazer sentido para todos os estudantes.”

Currículo. O CNE defende que as diretrizes, que revogam as até então vigentes, datadas de 1998, são um documento norteador, uma vez que ele não pode ser encarado como o currículo em si. O MEC discute hoje uma nova base curricular nacional, que vai contemplar também o ensino médio, denominada direitos de aprendizagem.

“Demos uma definição para o ensino médio. Todo mundo tem direito a uma quantidade de informações e então escolher o que quer fazer. Não é receita de bolo”, diz o relator José Fernandes de Lima. Ele admite que há dificuldade de implantação e que o projeto é de médio prazo.

Clélia Brandão, também do CNE, afirma que o documento é um “resultado de opções”. “Nem todo mundo pensa a escola do mesmo jeito. Não tem como ser unanimidade nacional.

Fruto de discussão do Conselho Nacional de Educação (CNE) com educadores e entidades, o documento tenta aproximar a escola da realidade dos jovens, sem retirar a importância das disciplinas tradicionais. No entanto, o cenário que ela encontra é desastroso e apresenta uma equação problemática cujo resultado não fecha há décadas.

Alguns números mostram a gravidade: 50,9% dos jovens de 15 a 17 anos ainda não estão matriculados nessa etapa e as taxas de reprovação e de abandono são, respectivamente, de 13,1% e de 14,3%.

Apenas 11% aprenderam o ensinado em matemática ao final do 3.º ano.

Fonte: jornal O Estado de S. Paulo (por Mariana Mandelli)

O mundo que lê

A humanidade nunca leu tanto quanto hoje. Por um lado, a era digital faz com que os textos estejam mais disseminados. De outro, a população mundial é cada vez mais alfabetizada. Nesse cenário, descrito pelo historiador francês Roger Chartier, é papel da escola ensinar aos jovens que existem diferentes formas de ler para diferentes necessidades.

E, se as salas de aula devem incorporar a presença de computadores, internet e tablets como ferramentas, também é fundamental que os professores continuem a trabalhar a leitura de livros clássicos. “Não porque eles são ‘clássicos’, mas porque, com outros, mas talvez melhor do que outros textos, ajudam a pensar sobre o mundo, natural ou social, a compreender as relações com os outros, a fazer as perguntas essenciais da existência e a desenvolver uma crítica às instituições, às informações, às autoridades”, defende Chartier. Profundamente respeitado e estudado no Brasil e no mundo, Chartier é professor da Universidade da Pensilvânia e do Collège de France, diretor de estudos da École des Hautes Études en Sciences Sociales (Ehess), uma das mais importantes faculdades de história do mundo, e é considerado atualmente um dos principais pensadores no que se refere à história do livro e dos hábitos sociais de leitura.

O senhor defende que a leitura é muito pessoal e que seu significado depende do formato em que ela se apresenta e da interpretação que se dá ao texto. O que isso significa? 

Toda leitura é um encontro entre um texto e um leitor. Mas, por um lado, o texto lido está sempre em um meio físico de escrita (um livro, uma revista, uma tela), o que contribui para o seu significado. Neste sentido, podemos dizer que formas materiais de escrita afetam o significado dos textos. Esta é a forma do objeto escrito, do formato do livro, do layout, da presença ou não da imagem, etc. Por outro lado, a liberdade de interpretação de cada leitor depende das habilidades, hábitos, normas e práticas de leitura que ele ou ela compartilha com outros leitores que pertencem à mesma “comunidade de leitura”, definida por classe social, idade, sexo, religião, etc. A partir daí, surge a ideia de que um texto se transforma. Mesmo que ele não mude em sua literalidade, ao mudar de formas materiais e ao mudar seus leitores – ou leituras.

Como isso funciona na escola, em que se cobra a aquisição do mesmo conhecimento de todos os alunos?

Aplicada à classe, esta perspectiva deve levar à compreensão de como a materialidade dos textos lidos (no livro, na sala de aula ou na tela do computador) ajuda a indicar o seu status, seu uso, seu significado. E também para compreender o que se espera dessa leitura particular que é a leitura na escola, diferente em suas exigências e seus ensinamentos de outras leituras, feitas em casa ou em um espaço público.

Diz-se que os jovens de hoje são desinteressados pela leitura.  Como a escola pode reverter esse quadro, levando em conta que precisa trabalhar os “clássicos” da literatura?

É seguro dizer que o diagnóstico que afirma a rejeição da leitura entre os jovens deve ser corrigido, tanto pelo sucesso de certas obras ou séries como pelo fato de que telas de computador são telas de texto. A humanidade nunca leu tanto quanto agora. Porque os textos estão em toda parte, porque a alfabetização se tornou necessária devido ao comércio e à administração, porque o mundo digital é basicamente um mundo por escrito. A questão é, portanto, a das práticas que não são mais da tradição literária ou de ensino. Daí o papel da escola. Ela deve ensinar as habilidades necessárias para nossos futuros cidadãos ou consumidores que serão confrontados com a escrita. Deve mostrar que existem diferentes maneiras de ler para diferentes necessidades. Também deve organizar a ordem dos discursos e, assim, manter o lugar dos “clássicos”, não porque eles são “clássicos”, mas porque, com outros, mas talvez melhor do que outros textos, ajudam a pensar sobre o mundo, natural ou social, a compreender as relações com os outros, a fazer as perguntas essenciais da existência e a desenvolver uma crítica às instituições, às informações, às autoridades.

A forma de dar aula vai mudar por conta das mudanças às quais os livros foram submetidos com o advento da plataforma eletrônica?

Não sei. O que eu sei é que as escolas devem ensinar todas as formas da cultura escrita (manuscrita, impressa, eletrônica), conscientizar os alunos de suas diferenças, e os acostumar a usar uma ou outra forma de escrever, para navegar no mundo dos textos como se faz em uma floresta. Sei também que os objetos eletrônicos inventados todos os dias representam um avanço técnico, mas também são mercadorias, que têm um custo abusivo para muitos e que geram lucros (nem sempre justificáveis por sua utilidade). É também uma lição que as escolas devem ensinar em uma crítica sobre a sociedade de consumo. Mas, é claro, um dos deveres das políticas públicas é tornar essas novas oportunidades acessíveis e familiares. Uma última coisa: nas palavras de Emilia Ferreiro, a presença de computadores ou de tablets em sala de aula não resolve por si só os problemas de aprendizagem e transmissão de conhecimentos – e, ao mesmo tempo, pode trazer a “tentação” de reduzir ou excluir o papel essencial dos professores.

Existem hoje experiências digitais com literatura, a exemplo do escritor norte-americano Robert Coover, que encabeça o movimento de “cave writing”, no qual o “leitor” imerge em um ambiente 3D e interage com o cenário e personagens da história como se vivesse em seu mundo. Isso muda para sempre a forma como se faz literatura?

As experiências de escrita eletrônica, com ou sem 3D, ainda são marginais. E isso porque, provavelmente, se um autor espera de seu leitor a compreensão da obra que ele escreveu em sua coerência, sua identidade, sua totalidade (mesmo sem ler todas as páginas), o livro impresso continua até hoje o objeto material mais adequado para permitir este reconhecimento. Como sabemos, a leitura na frente da tela é fragmentada, descontínua, combina texto e hipertexto, mas não foca a obra em si. Daí a importância ainda marginal (menos de 10% das vendas nos Estados Unidos, menos de 5% nos países europeus) do mercado do livro eletrônico no negócio de venda de livros. Mesmo os autores que praticam amplamente a escrita eletrônica (aquela de blogs, sites, redes sociais) permanecem fiéis à publicação impressa. As experiências que você menciona vão mais longe porque o texto desaparece ou pode desaparecer em favor de um espaço habitado tanto pelos personagens da ficção quanto pelo leitor. O risco não é o de matar por esse realismo do irreal um dos mistérios da literatura, ou seja, o trabalho da imaginação a partir das palavras na página? O leitor parece ser mais livre na medida em que pode intervir na história, mas o preço dessa liberdade aparente não é o da mutilação de sua imaginação, inteiramente sujeita ao espaço definido para ele pelo autor?

Qual é a importância de livros que envolvam experiências digitais hoje para a cultura da leitura?

Uma das maiores mudanças no mundo eletrônico é a possibilidade, pela primeira vez, de associar em uma única produção textos, imagens e até sons e celulares, letras ou música. A cultura escrita deve aproveitar esta oportunidade para inventar “livros” novos, tanto de ficção quando para o saber. Não devemos deixar apenas ao mercado de entretenimento, por exemplo aquele dos jogos eletrônicos, a capacidade inédita de articular diferentes linguagens em um mesmo projeto estético ou intelectual, como fazem, por exemplo, as artes do espetáculo.

No Brasil, há certa desconfiança dos professores em relação aos e-books e a outros meios de leitura eletrônica. Por que o senhor acha que isso acontece?

Esta relutância ou resistência é muito compreensível (e ela é em parte minha também), já que o texto eletrônico desafia as categorias que definem a escrita, o livro, a obra. Quando ele é livre, gratuito, imediato, o texto eletrônico é muitas vezes coletivo, apaga o nome do autor, é fora da propriedade literária, e justapõe fragmentos. Quando se trata de escrever em forma de e-books, com textos publicados por edições que não permitem a cópia ou a impressão e que os “fecham” aos leitores, a relação é mais forte com o livro impresso, e não com a leitura descontextualizada de fragmentos, sem poder ou querer relatá-los na totalidade da qual eles fazem parte. A ruptura com a ordem da escrita que herdamos é forte e brutal, pois ela faz vacilar as noções de autor singular, de obra original e de propriedade intelectual. A consequência é, portanto, que se a escola não deve ignorar as plataformas de leitura eletrônica, ela deve ensinar seus usos e mostrar o que pode ser esperado em relação a formas mais convencionais de comunicação e publicação.

O que países como o Brasil, que ainda lutam com questões básicas como a alfabetização, podem fazer para transformar a leitura em uma prioridade?

O Brasil e outros países comparáveis fizeram ou fazem da entrada na cultura escrita de todos os seus cidadãos uma prioridade justa e necessária. Esta é a chave para que seja estabelecida uma cidadania verdadeira e a possibilidade de um desenvolvimento social e econômico. Mas saber ler e escrever não pode se reduzir a exigências utilitárias. Os livros devem também fazer sonhar, divertir, permitir a reflexão, desenvolver o espírito crítico. A escola deve mostrá-lo, assim como devem acontecer campanhas públicas de instalar o livro e a escrita no coração da cidade, por meio de feiras de livro, encontros nas livrarias, programas nos meios de comunicação visual.

Como um estudioso das tendências de leitura, qual é a sua previsão de como as crianças de hoje vão interagir com a leitura e com os livros como adultos?

Os historiadores são os piores profetas, estão sempre errados. Por isso, vou abster-me de qualquer previsão. Prefiro formular um desejo ou um sonho. Com a era digital e os textos eletrônicos, a humanidade possui uma terceira forma de composição, transmissão e apropriação da escrita, em adição aos dois precedentes: a impressão e a escrita manuscrita. Então, só podemos esperar que se estabeleça a coexistência entre essas três formas, que não correspondem nem aos mesmos hábitos de leitura, nem às mesmas necessidades da escrita. A impressão não removeu a publicação manuscrita, que sobreviveu até o século 19, e talvez mais tarde. A invenção do códice não fez os rolos desaparecerem totalmente nos tempos medievais. Por que a escrita eletrônica ou, mais genericamente, o mundo digital, deveria acabar com o controle manual da escrita, ou com as lógicas que controlam a publicação impressa de um livro, uma revista, um jornal, e que não são da web? A resposta depende, também, da nossa vontade coletiva.

Fonte: Revista Educação (Carmen Guerreiro entrevista Roger Chartier )

 

Quem é especialista na sua criança?

“As crianças estão mais agressivas hoje em dia”, me afirmou com convicção uma jovem mãe. Ela acabara de ter uma reunião com a coordenadora da escola que a filha frequenta justamente por esse motivo: a menina andava agredindo os colegas de classe com regularidade, tanto física quanto verbalmente. A idade? Cinco anos.

Segundo as palavras dessa mãe, ela não sabe como a garota desenvolveu essa estratégia na convivência com os colegas. “Em casa não costumamos ser agressivos uns com os outros e sempre ensinamos as crianças a fazerem o mesmo. E ainda assim ela briga com os irmãos, os primos e os colegas de classe.”

Ah! E a garotinha também não é uma filha que essa mãe possa chamar de obediente ou educada em relação aos pais e a outros adultos.

Essa mãe disse que não sabia o que deveria fazer para ensinar a filha a ser mais obediente e educada. Ela terminou nossa conversa dizendo que iria insistir na estratégia que sempre usara com sua filha: conversar.

Qualquer pessoa que já ouviu pais com atenção sabe que a queixa da indisciplina tem sido bem frequente.

Pais com filhos de todas as idades reclamam de desobediência, de falta de limites, de agressividade exagerada da parte dos seus filhos.

Para começo de conversa, vamos lembrar da estratégia que a mãe de nosso exemplo de hoje usa para educar a filha para a boa convivência: conversar. Essa tem sido uma solução encontrada por muitos pais, não é verdade?

Pois aí temos uma contradição digna de ser refletida: por que, justamente quando a estratégia educativa usada é mais democrática, a agressividade e a desobediência andam tão em alta? Vamos levantar algumas hipóteses.

Conversando o tanto que converso com pais, fui tendo cada vez mais clareza a respeito de como eles se veem no exercício de sua tarefa educativa com os filhos.

E constatei uma questão que considero importante: muitos pais, hoje, duvidam de sua própria capacidade de educar os filhos para uma boa convivência.

A fala que eu mais costumo ouvir em conversas desse tipo foi dita pela mãe de nosso exemplo de hoje: “Eu não sei o que fazer”.

E é por causa dessa impotência que muitos pais buscam fora do contexto familiar e da relação com a criança soluções quase mágicas para resolver aquilo que consideram um problema.

Diversos especialistas têm sido convocados a tratar de “crianças agressivas”. A internet tem sido muito usada, também, na busca de orientações ou conselhos.

Aliás, recebi dias atrás uma mensagem de uma mãe que, nessa pesquisa na internet, encontrou um texto meu. Disse ela: “Gostei de seu texto, mas eu preciso de orientações mais claras sobre como fazer e você não escreveu nada disso”.

A esses pais, vou repetir duas frases que vi em uma peça promocional feita por e dirigida a mães. A primeira: “Você é a especialista em seu filho”. A segunda, uma advertência bem-humorada, eu adorei: “O Google não tem filhos”. Ambas sintetizam a ideia de que os pais devem se sentir potentes para buscar e encontrar melhores soluções para dificuldades que enfrentam na educação dos filhos.

Outro fator que não podemos ignorar é o quanto as crianças estão expostas aos meios de comunicação.

Programas infantis -dos chamados educativos aos considerados violentos- mostram conflitos de todos os tipos e tratados com agressividade longamente. Já a solução do conflito ganha bem menos tempo, não é verdade?

E o que dizer dos programas para adultos aos quais os pequenos assistem? Isso só ensina a criança a refinar o uso de sua agressividade.

Precisamos de mais pais que não duvidem de seu potencial educativo nas situações difíceis e de mais civilidade na convivência adulta, já que esta serve de padrão aos mais novos.

Fonte: Folha de S.Paulo (por Rosely Sayão)