Fonte: revista Educação (por Gabriel Jareta)
Nos EUA, profissionais aposentados passaram a enxergar a carreira de professor como uma alternativa para se manterem ativos e gerarem renda. Mesmo com graves deficiências na formação de professores, o Brasil ainda não consegue aproveitar na prática a experiência profissional dos docentes aposentados – muitos deles afastados contra a vontade e em plena capacidade intelectual.
A ponte que faz a ligação entre a sala de aula e os profissionais “leigos” com mais anos de experiência ou mesmo aposentados pode ainda não ter sido construída no Brasil, mas está cada vez mais sólida nos Estados Unidos. São profissionais graduados em engenharia, química, matemática ou ciências, entre inúmeras outras formações, que passaram a enxergar a possibilidade de continuar a trabalhar e ser útil para a sociedade após a aposentadoria seguindo a carreira de professor da Educação Básica.
Um estudo do National Center for Education Information (centro nacional para a informação em educação), publicado no ano passado, mostra o quanto os chamados “delayed entrant teachers”, ou professores com ingresso tardio, ocupam uma fatia importante entre os docentes que chegam ao sistema educacional. O “Perfil dos professores nos Estados Unidos – 2011″ aponta que, entre 2007 e 2008, 146,5 mil novos professores ingressaram para dar aulas nas escolas americanas de ensino fundamental e ensino médio. Desses, 54 mil (pouco mais de um terço) eram esses “tardios”, profissionais com ensino superior que não saíram diretamente da faculdade para a sala de aula. Atualmente, segundo o estudo, os Estados Unidos contam com 3,2 milhões de professores para atender 49,4 milhões de crianças e adolescentes da Educação Básica.
O crescimento do interesse dos americanos em seguir a carreira de professor após a aposentadoria é motivado por vários fatores, entre eles o desejo de desafios, a necessidade de se sentir útil e ativo e, também para complementar a renda, aponta reportagem publicada em setembro de 2011 no jornal The New York Times. Segundo o texto, muitos distritos escolares americanos têm vagas para professores de matemática, ciências, educação especial e inglês como segunda língua – além disso, a demanda por professores está crescendo especialmente em regiões mais pobres das grandes cidades e na zona rural.
Diversas instituições americanas oferecem formação específica para profissionais com curso superior que desejam entrar para o magistério. Os candidatos fazem um curso (em instituições tradicionais ou alternativas) e prestam exames – cada estado é responsável pela própria certificação, o que torna mais ágil o processo para obtenção da licença. O departamento de Educação do governo americano criou até um site (Teach.gov) para dar orientações sobre como e onde obter formação e certificação para se candidatar a uma vaga de professor – a campanha procura abordar também a população falante de espanhol. Por outro lado, dezenas de sites publicam listas de vagas por cidade e especialidade, como em um classificado de empregos. Em tempos de crise, dar aulas se tornou uma opção de emprego estável, relativamente bem remunerado e com vagas em aberto.
Mão de obra desperdiçada
[…] Em um país em que formação de professores – especialmente para a Educação Básica – ainda padece com precariedade da quantidade e qualidade de recursos humanos, décadas e décadas de conhecimento são desperdiçadas anualmente pelas universidades sem que a comunidade acadêmica nem mesmo se dê conta disso. A permanência do professor aposentado na universidade e sua contribuição para a formação de novos quadros hoje dependem quase que exclusivamente da vontade individual e não há nenhuma política estrutural que os favoreça ou os incentive para isso.
Uma situação delicada – e, para muitos, injusta – que atinge professores no auge da capacidade intelectual e ainda com grande vigor físico. É o contrário, inclusive, do movimento cada vez maior de reabsorção de aposentados e idosos no mercado de trabalho comum, em que as empresas começam a enxergar na mão de obra aposentada uma solução para preencher lacunas de pessoal e de formação.
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Vontade pessoal
Na prática, o professor aposentado que deseja continuar contribuindo para a formação docente ou para o sistema educacional brasileiro terá de correr atrás sozinho. E muito há de se fazer fora da sala de aula de graduação que possa provocar impacto positivo na extremidade inicial da educação. “Embora várias universidades ofereçam a possibilidade de o professor aposentado continuar em atividades de pesquisa e/ou de docência, a iniciativa cabe ao aposentado, e muitas vezes há um processo burocrático para que seja concedido o ‘benefício’”, observa a pesquisadora Magda Becker Soares, da UFMG. Na opinião dela, o problema mais sério é em relação aos aposentados compulsoriamente aos 70 anos, idade em que muitos reúnem rica produtividade, larga experiência e conhecimentos acumulados. “As universidades não têm, que eu saiba, mecanismos por meio dos quais elas mesmas selecionem professores que vale a pena manter depois da aposentadoria e que regulem a forma de realizar isso”, diz.
Na opinião de Magda, da UFMG, ainda que fora da sala de aula, o contato direto entre o professor no topo da experiência e aquele aluno da formação inicial pode ser colocado em prática de diversas maneiras. Escrever é uma tarefa importante e deve ser incentivada. “Tanto em textos acadêmicos quanto, e talvez, sobretudo, em textos que se dirijam aos que estão na prática da educação, quer no nível da gestão, quer no nível da sala de aula, ou em textos que circulem na mídia”, afirma. Além disso, o aposentado pode participar de grupos de pesquisa sobre temas ligados à educação, atuar em órgãos públicos e privados ou assessorar a própria universidade ou escolas e redes de ensino.
A menos de dois anos da compulsória, a professora Selma Garrido Pimenta, da Faculdade de Educação da USP, não aponta esforço nenhum da universidade pública em aproveitar o pessoal aposentado – ou em vias de se aposentar. Mesmo assim, ela identifica muitos professores que, como ela, já poderiam ter se aposentado, mas permanecem por vontade própria atuando em salas de aula da graduação e da pós-graduação e nos grupos de pesquisa. “Boa parte dos colegas não quer se aposentar para ficar fazendo nada ou então partir para um caminho muito diferente”, diz. Selma se recorda de um movimento intenso, ocorrido em torno de uma década atrás, de muitos professores aposentados serem chamados para universidades e faculdades particulares que abriam suas pós-graduações no período de expansão da oferta, hoje já refreado. “Nas particulares eles querem um compromisso muito grande também com a graduação e nem sempre isso é viável”, observa.
Atualmente, na USP, é necessário estabelecer um termo de compromisso para que o professor aposentado possa manter algumas atividades de docência e pesquisa. Embora esse acordo não preveja remuneração extra, Selma acredita que a universidade deveria discutir um apoio a esses professores. “Não acho que os aposentados deveriam receber mais um salário, mas se houvesse uma bolsa, algo que pudesse pelo menos contemplar o deslocamento deles até a faculdade, eles não estariam pagando para trabalhar”, explica. Uma alternativa bastante utilizada é manter a bolsa de fomento à pesquisa, mas nem sempre a oferta consegue abranger todos os interessados. Na opinião da professora, a necessidade de discutir essa questão ao menos no Estado de São Paulo é favorecida pelo momento atual de crescimento nos orçamentos das universidades paulistas.
Competências aproveitadas
Em relação à Educação Básica, por exemplo, Selma diz que as contribuições de professores aposentados ainda são muito pontuais e não chegam a indicar alguma área de atuação específica ou alguma tendência – atividades de extensão, como cursos e programas de formação continuada poderiam ser alternativas interessantes. É o que ela pretende fazer após a chegada da compulsória: permanecer escrevendo e publicando (ela coordena uma coleção de livros sobre formação docente), continuar com a bolsa de pesquisa da CNPq e participar de algumas orientações, bancas e seminários. “Tenho o compromisso de contribuir para a formação”, afirma. E conclui: “a universidade precisa aproveitar as competências dos mais velhos”.
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