Sobre pessoas, animais e sentimentos

Recentemente, a grande mídia fez várias reportagens sobre espancamento de cachorros. Em um deles, uma mulher afirmou que não aguentava mais os latidos irritantes da filhotinha e, por isso, “batia mesmo”. Bateu até matar. Em outro, um homem cansado de ter que tratar do cão resolveu enterrá-lo vivo, depois de espancá-lo. Disse que descarregava suas energias batendo no cão. Em uma outra reportagem, um homem amarrou o cachorro em sua camionete, arrastando-o até deixar o pobre animal em carne viva. E o abandonou na rua para que a morte o levasse.

Essas histórias acontecem com mais frequência do que a mídia noticia. Fora os rituais macabros que sacrificam animais e até pessoas. Mas vamos ficar apenas nessas histórias. Por que essas pessoas quiseram ter um cão? Por que não deram para alguém em vez de espancar os animais? Por que enterrar vivo um cachorro? O motorista da camionete disse que não viu o cachorro amarrado e, quando percebeu, já sabia que ele iria morrer. Alguém acolheu o cachorro e tratou dele. Apesar das sequelas, o cachorro não morreu. Alguém desenterrou o outro cão depois de receber denúncias de maus tratos e de procurá-lo por toda parte. Vendo a terra remexida, o benfeitor socorreu a cadelinha. Nessas histórias de horror, apenas um filhotinho morreu. Os outros foram acolhidos em algum lar.

A dualidade desses fatos nos deixa algum ensinamento. De um lado, os agressores; de outro, os acolhedores. Enquanto alguns demonstraram ausência de bons sentimentos, outros se agigantaram para cuidar de uma criatura de Deus. Isso mesmo. Os animais são criaturas de Deus. Descarregar a raiva em um animal significa compreender pouco da relação do homem com a natureza. A insensibilidade com os animais se transforma na insensibilidade com as pessoas. Quem agride um animal é um potencial agressor de uma pessoa. E a sensibilidade caminha na mesma direção. Pessoas carinhosas, respeitosas são assim com animais e com pessoas. Não se descarrega energia raivosa em ninguém. Trabalha-se. Busca-se um equilíbrio interior. Não nascemos para espancar nem para agredir nem para matar. Nascemos para a boa convivência, para os bons sentimentos, para o amor.

Eu tenho dois cachorros. Um labrador, que ganhei de um amigo e uma vira-lata que adotei. Quando chego em casa, os olhares de amizade desinteressada, de afeto incondicional me fazem muito bem. Quantas vezes vi minha mãe com dor e os cachorros ao seu lado, fazendo companhia. Passando sentimentos. Já vi moradores de rua cuidando de cachorros e querendo continuar a viver pelo vínculo com eles estabelecido. Já vi crianças com deficiência aprendendo a sorrir com seus animaizinhos. Fazemos parte de uma mesma natureza. E é preciso respeitar a nossa casa com as outras criaturas que a habitam. Com sensibilidade. Já nos ensinava Guimarães Rosa: “Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?

Fonte: revista Canção Nova por Gabriel Chalita

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