Estou no Líbano. Terra dos meus avós. Terra tantas vezes arrasada pela ação errática dos homens. Guerras. Ódios fermentando uma massa amarga que não alimenta a ninguém. Alimento-me aqui nesses dias. De uma saudade estranha. Bonita. Encantada.

Entrei na casa em que meus avós viveram. Em Baakafra. A mais alta cidade do Líbano. Meu pai nunca esteve aqui, mas contou-me tudo o que sabia do que os seus pais contavam. As montanhas geladas da cidade que fica próxima do Cedro do Líbano. A cidade de São Charbel, o santo que optou pela bondade, pelo amor incondicional, pela experiência de ser inteiro de Deus. Do seu interior brotava Deus. Brotam inspirações desse lugar.

Meus avós precisaram partir. Partiram partidos, deixando amores por aqui. Partiram em busca de vida, e vidas foram geradas no país em que nasci. O Brasil acolheu a eles e a tantos outros que chegaram entre lágrimas e sonhos. Corajosos. Trabalhadores. Amorosos.

 Não conheci meus avós. Minha avó morreu antes de eu nascer. Meu avô só teve tempo de celebrar minha chegada e partir. Agradeceu a Deus por mais um neto e, um ano depois, foi encontrar sua amada no reino dos céus. 

O céu de Baakafra é céu de montanha. Mais puro. Mais limpo. Mais poético. 

Meu pai fez da sua vida uma poesia. Singelas eram suas palavras. Seu sofrimento não o embruteceu. Fez-se homem amoroso e semeou em nós os valores que de seus pais recebeu.

Saudade do meu pai.

Vim ao Líbano convidado para uma série de encontros educacionais, culturais e políticos. Conversas proveitosas sobre um país que investe em educação. Aqui todas as crianças estudam em escola de tempo integral e, além do árabe, aprendem inglês e francês. Aqui, eles valorizam a educação como a grande oportunidade para serem quem decidirem ser. 

Lancei meu primeiro livro em árabe. Uma editora traduziu o meu livro “Sócrates e Tomas More – correspondências imaginárias” para o árabe. Não leio árabe. Mas fiquei virando as páginas do livro como se lesse as páginas da minha história até chegar à minha raiz. Minha mãe leu a capa e chorou de emoção. Ela nasceu na Síria. Também partiu partida por ter que deixar a terra, por ter que irem busca de um porto seguro. 

Quis trazê-la comigo. Preferiu não vir. Vieram o meu irmão e meus sobrinhos. Encontrei parentes por aqui. Amigos. Experiências de acolhimento.

Os libaneses têm três características que me fascinam: a coragem, o trabalho e o amor. Amam sem economias, choram os seus ausentes e abraçam os que chegam. Servem do que têm para alimentar os seus. Trabalham como necessidade e opção. Gostam de empreender. E o fazem com coragem ímpar.

Já lancei outros livros meus em outros países. Cada um me trouxe uma emoção diferente. É uma honra. Um privilégio. Mas aqui. Aqui foi diferente. Gostaria de olhar na plateia e ver meu pai. Meu pai estava na plateia. Ouviu o que eu falei. Nesta semana, ele completaria 99 anos de vida. 

Árvore que nega raiz tem vida frágil. Tenho orgulho das minhas raízes. Dos meus antepassados. Do colo que me alimentou de esperança e que me apresentou a vida como um presente de Deus e uma missão de não deixar as páginas em branco. 

Escrevo porque assim contribuo modestamente para o mundo que acredito. Escrevo porque creio no ser humano e em uma educação que amplie a sua visão fazendo com que enxergue que o amor é mais nobre que a perversidade, que a fraternidade é mais livre que o egoísmo, que o cuidar é o exercício que nos realiza e que a saudade nos faz muito bem.

Saudade dos meus avós que não conheci, saudade do meu pai que está em mim, saudade de um tempo que poderia ser melhor se as pessoas tivessem raízes. Raízes boas. Raízes belas. Belo Cedro do Líbano.

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 13/12/2015

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