Era uma noite de homenagens. Artistas se entreolhavam, aguardando o início do concorrido prêmio Cesgranrio de teatro.

O Copacabana Palace estava iluminado. Pessoas iluminam pessoas.

E eis que surge ela, Fernanda Montenegro. Os aplausos demonstravam o que já era sabido, é ela uma dama das artes, uma senhora da interpretação, uma condutora da dignidade. A música falava da atriz, o poema falava da história, cada ser humano é recheado de histórias. Os anos vão conferindo acordes à canção da vida.

Os apresentadores começaram a chamar os ganhadores. Cada artista, em sua fala, reverenciava a grande Fernanda Montenegro. Ela ouvia atenta, amiga das emoções, chorava sem disfarces. Os olhos firmes. As mãos dispostas aos aplausos. O sorriso emprestador de esperanças. Eu estava perto. É bom estar perto.

E chegou o momento da grande homenagem da noite. Sobe ela ao palco e recebe a mais alta homenagem de uma Fundação que se esmera em promover a educação e a cultura.

As pessoas silenciam as suas inquietudes para ouvir Fernanda. É a primeira homenagem que ela recebe no ano em que completa 90 anos de vida, 75 anos de carreira. Fala com decisão. A voz sobe até onde deve. O tom é de lembranças e de futuro. Mulheres e homens passaram em sua vida nos palcos, nas telas, nas esquinas. Frequentaram os seus sentimentos, beberam as suas dúvidas, brindaram os seus renascimentos. Cita alguns. Lembra Fernando, seu grande amor. Conta histórias divertidas, responde a perguntas que fazem por aí, e toca no grandioso ofício de representar vidas para vidas elevar. O teatro não vai morrer nunca, decide.

Entre aplausos e atenções, os artistas de todas as idades ficam em sinal de reverência a uma das maiores atrizes do mundo. A brasileira que concorreu ao Oscar pelo “Central do Brasil”, que ganhou o Emmy por “Doce Mãe”, a dama de Shakespeare ou de Nelson Rodrigues. A que poetizou Adélia e disse Simone de Beauvoir. A que fez rir, a que fez chorar. A que fez e faz pensar.

Enquanto os olhares e as homenagens desfilavam para ela, Fernanda Montenegro foi além. Agradeceu primeiro. Mais um entre tantos. Agradeceu e o ofereceu a uma atriz que a inspirou a iniciar. “Dedico este prêmio a Bibi Ferreira. A grande dama das artes que o ano passado resolveu se retirar. Ela está aqui, entretanto, em nós, em nossa decisão de prosseguir”.

O gesto de Fernanda é coerente com a sua vida. Lembro-me de quando ela foi convidada para ser ministra da cultura. O poder é sedutor, é envolvente. Dizer “não” ao poder exige muita liberdade. E, livremente, ela agradeceu e reafirmou onde era o seu lugar: no palco. Entre dramas e canções. Entre força e força. É gigante quem decide gastar a vida dando vida a personagens e permitindo a quem vê, ver além.

Além das glórias daquela noite, Fernanda viu Bibi. E mostrou que a grandeza maior mora na humildade.

Saí dali com vontade de viver.

Por: Gabriel Chalita (fonte: O Dia – RJ) | Data: 27/01/2019

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