Educação em Foco

Escola pública dá exemplo ao mundo

Durante 60 dias por ano, além das férias, os alunos não precisam pisar na sala de aula. Eles ficam em alguma atividade educativa nas proximidades da escola. Pode ser um estágio na empresa, um curso de dança numa companhia profissional ou a participação num laboratório de uma universidade. Por causa de seus resultados, essa escola de ensino médio está dando um exemplo ao mundo (coloquei mais detalhes no www.catracalivre.com.br).

É uma escola pública, chama-se Summit e fica na Califórnia (EUA). A maioria dos seus alunos é escolhida por sorteio, e todos (vamos repetir, todos) entram na faculdade e são disputados pelo mercado do trabalho.

Eles fazem tudo o que uma boa escola pode fazer: tempo integral, professores sempre treinados, boa remuneração (o salário varia a partir do desempenho dos alunos), salas pequenas, recuperação diária aos alunos com dificuldades, etc.

O fascinante é como eles, para estimular os alunos a aprenderem mais e melhor, passaram a administrar toda a cidade e suas redondezas como uma escola.

A Summit acabou de ser apontada uma das dez escolas mais transformadoras dos EUA. Eles até vão muito bem nos testes nacionais, ficam acima de 99% de todas as escolas americanas, incluindo as particulares. Mas o teste é um detalhe, o fundamental é preparar para a vida, gerando gente curiosa, focada e entusiasmada que, no final, é o que importa.

Isso é o que significa dialogar com o futuro. E não a pobreza mental de achar que educação é apenas sala de aula.

Um dos segredos da escola é preparar os alunos mais preparados para serem professores dos alunos com mais dificuldades.

Fonte: Folha de S. Paulo (por Gilberto Dimenstein)

 

Escolhas e renúncias

Um jovem quer, a esta altura do ano, abandonar o curso universitário que ele frequenta. A família, apesar de não gostar muito da ideia, apoia o filho. Os pais acham importante que ele tenha liberdade para escolher um caminho melhor em sua vida.

Por sinal, o argumento que o jovem usou para convencer os pais a aceitar sua decisão foi justamente o de que ele se equivocou na escolha que fez. Se soubesse -me disse ele- teria feito outra escolha, a certa, quando prestou o exame vestibular pela primeira vez. Quando perguntei o que ele mirava ao optar pelo curso, ele respondeu que considerou as chances de ter um futuro confortável do ponto de vista econômico. Não será uma meta muito restrita?

Uma jovem mãe, que tem dois filhos, não suportou ver as crianças chorarem todo santo dia quando ela saía de casa para ir trabalhar. Tomou a decisão de se afastar temporariamente do emprego e da carreira para dedicar-se às crianças em período integral. Agora, quase um ano depois dessa sua escolha, ela afirma não saber se agiu bem, porque os seus filhos vivem lhe perguntando quando é que ela irá voltar ao trabalho.

“Eu me transformei em uma megera em tempo integral”, disse ela. E pensar que ela tomou tal decisão justamente para apaziguar o sofrimento dos filhos.

Um pai, que por circunstâncias tristes precisou assumir sozinho a condução da sua vida com a filha, tem muitas dúvidas a respeito de como dirigir, de agora em diante, as decisões que vai precisar tomar. Ele pode, por exemplo, continuar a viver na cidade em que sempre morou com a mulher e a filha.

Ou pode mudar-se, para que a garota fique mais próxima dos seus avós. Ele tem também a opção de escolher uma escola em que a filha permaneça em tempo integral, em vez de contratar uma auxiliar para ficar em casa com ela -e assim por diante.

Como será o futuro da filha se ele decidir por esse ou por aquele caminho? Em todas as situações mencionadas, as escolhas são o nó da questão. E como temos de fazer escolhas nos tempos em que vivemos! Cotidianamente, temos a obrigação de decidir o que comer, qual trajeto fazer, que roupa usar, a qual filme assistir, qual ligação retornar etc. Essas escolhas são tão cansativas que nos esgotam.

Quando as escolhas que devem ser feitas são tão importantes que podem definir pelo menos por um período o rumo de uma ou mais vidas, aí então é que a coisa pega. Nós gostaríamos de ter alguma garantia ao fazer a escolha, não é? O problema é que não existe essa possibilidade.

Quando fazemos escolhas, temos de abdicar de algumas alternativas -e essas sempre continuam a existir, mesmo que virtualmente. E se o jovem tivesse escolhido outro curso? E se a mãe tivesse continuado a trabalhar? E se o pai decidisse ficar morando no mesmo local?

Certamente as vidas deles seriam diferentes, mas, se a vida seria melhor ou pior, nunca ninguém saberá. Por isso, ao ter de fazer escolhas, talvez o melhor passo seja escolher, primeiramente, os valores, as convicções e os princípios que prezamos para tentar priorizar as alternativas possíveis.

E, depois de feita a escolha, o jeito é comprometer-se com ela, honrá-la. O esforço que tal compromisso exige é, sem dúvida, o pedaço mais árduo da jornada.

Sim, porque, no processo da escolha, o difícil é justamente renunciar às alternativas que não foram contempladas. Sem renúncia não há escolha e, sem escolha, não há liberdade.

Escolher quais caminhos tomaremos em relação à educação e à vida de nossos filhos pode ser, portanto, uma lição de liberdade que damos a eles, e não uma limitação em suas vidas, como muitos têm considerado.

Conversas sobre educação

Por Rubem Alves

Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu.

O educador diz: “Veja!” – e, ao falar, aponta.

O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu. Seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente…

E ficando mais rico interiormente ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria – que é a razão pela qual vivemos.

Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da educação, filosofia da educação – mas, por mais que me esforce, não consigo me lembrar de qualquer referência à educação do olhar ou à importância do olhar na educação, em qualquer deles.

A primeira tarefa da educação é ensinar a ver…

É através dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo…

Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente.

A educação se divide em duas partes: educação das habilidades e educação das sensibilidades… Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido.

Os conhecimentos nos dão meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver.

Quero ensinar as crianças. Elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento… a capacidade de se assombrar diante do banal.

Para as crianças, tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha de caramujo, o vôo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, uma pipa no céu, um pião na terra. Coisas que os eruditos não vêem.

Na escola eu aprendi complicadas classificações botânicas, taxonomias, nomes latinos – mas esqueci. E nenhum professor jamais chamou a minha atenção para a beleza de uma árvore… ou para o curioso das simetrias das folhas. Parece que naquele tempo as escolas estavam mais preocupadas em fazer com que os alunos decorassem palavras que com a realidade para a qual elas apontam.

As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem… O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.

Quando a gente abre os olhos, abrem-se as janelas do corpo e o mundo aparece refletido dentro da gente.

São as crianças que, sem falar, nos ensinam as razões para viver. Elas não têm saberes a transmitir. No entanto, elas sabem o essencial da vida.

Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna como criança jamais será sábio.

Pai ético

O que podem ter em comum um pai que para em fila dupla para esperar o filho na porta da escola, atrapalhando o trânsito, e um filho que guarda a garrafa de água vazia na geladeira? Bem, ambos podem não ter aprendido que se preocupar com o bem-estar dos outros é importante. Da mesma forma, o que leva um chefe a prometer aquela promoção e não cumprir? É possível que, ao julgarem uns aos outros, todos afirmem: “É por isso que o país não vai para frente”.

Lembro-me de uma cena na sinaleira, um rapaz com malabares em chamas se apresentava para os motoristas. Da camionete ao meu lado, uma criança abre o vidro e joga, em meio a gargalhadas, uma casca de banana no boné do artista. O motorista, escondido atrás de um insulfilme, manteve-se alheio. Deduzi que fosse o pai, poderia ser o motorista da família, mas era um adulto em silêncio.

Na antiga Grécia, Aristóteles já procurava sistematizar a ética. Para ele, “toda a ética digna desse nome parte da vida e se propõe a reforçá-la, pois fala da vida”. Se a ética sustenta a vida, quando falamos de uma sociedade sustentável, ela é uma sociedade ética. Um pai ético sustenta o seu filho em valores, o que garantirá que este adquira costumes que sustentarão e reforçarão a vida nas suas relações com o mundo. Para Gabriel Chalita em seu livro Os Dez Mandamentos da Ética, “O bem é a finalidade da ética. O respeito, o seu maior representante. Não há como ser ético sem respeitar o outro, seu pensamento, sua história, suas posses”.

Cada vez que um pai aumenta o conhecimento e a prática de atitudes de respeito aos outros, mais o filho compreende as razões da liberdade de ser e de pensar diferente. Um pai ético pode significar uma família ética. Para isso, é preciso aceitar as diferenças, cuidar, apoiar e compreender.

Para Chalita, “O amor é a força motriz da ética. Quem ama faz o bem”. Um pai amoroso precisa ensinar o filho a fazer escolhas éticas que beneficiam os outros e não apenas a si mesmo. A cultura do ganha/perde tem colocado a sociedade em baixos níveis de tolerância às fragilidades humanas.

Ostentar faz sentido nessa sociedade que tira vantagem. Estimular as práticas de ostentação nos filhos é contribuir para o aumento da falta de respeito, além de apoiar atitudes classistas, derivadas da crença de que aqueles que têm ou sabem mais são melhores do que os outros. É preciso, mais do que nunca, que o pai possa ser livre, não ter preconceitos, ser frágil, camarada e profundamente forte na ética que sustentará o filho e o mundo.

Fonte: jornal Zero Hora (por Dulce Ribeiro)

Equidade no desempenho escolar (2)

No último artigo, mostrei que os sistemas educacionais com desempenho elevado no Pisa 2009 oferecem educação de qualidade para todos. Estudos recentes mostram que uma combinação específica de ações pode elevar de forma expressiva o aprendizado de crianças e jovens criados em condições socioeconômicas desfavorecidas.

Essa abordagem, conhecida como “No Excuses” (sem desculpas), caracteriza-se por uma maior duração do dia e do ano letivo, avaliações frequentes de professores e alunos e uma preocupação em estimular certas características de comportamento.

Uma carga horária mais elevada é importante para compensar o efeito negativo sobre a aprendizagem decorrente de um ambiente familiar pouco estimulante.

Por sua vez, as avaliações de professores e alunos permitem a identificação dos obstáculos à melhoria do ensino e a criação de mecanismos de responsabilização.

Além disso, vários estudos mostram que determinados atributos de personalidade e comportamento, como disciplina, persistência, motivação e autoestima, contribuem para a melhoria do desempenho educacional e reduzem a probabilidade de envolvimento com drogas e atividades criminosas.

Nos EUA, o modelo “No Excuses” tem sido utilizado principalmente em escolas “charter”, que são escolas públicas com gestão privada. Um exemplo é o Knowledge is Power Program (Kipp), rede que atende predominantemente alunos de famílias pobres e minorias étnicas.

Essa abordagem também é empregada pela maioria das escolas “charter” de Boston, de Nova York e do Harlem Children’s Zone, experimento que combina ações na área de educação com programas sociais e comunitários.

Pesquisas mostram que essas intervenções educacionais tiveram grande impacto no desempenho dos alunos em testes padronizados de leitura e matemática.

No Brasil, existem algumas experiências recentes que utilizam um modelo semelhante ao “No Excuses”. As Escolas de Referência em Ensino Médio de Pernambuco, por exemplo, são escolas públicas de tempo integral que possuem um currículo estruturado e estabelecem metas de aprendizagem.

Nelas, os professores são avaliados em função do cumprimento de tais metas acadêmicas. Também existe grande ênfase em transmitir valores e características de comportamento que estimulem os alunos a concretizar seus objetivos.

O que caracteriza o modelo “No Excuses” é a combinação específica de ações, e não a forma de gestão. Portanto, trata-se de uma intervenção educacional que pode ser replicada em diferentes contextos e oferecer contribuição importante para o aumento da equidade no desempenho escolar.

Fonte: jornal Folha de S.Paulo (por Fernando Veloso)

Iniciação à leitura

Criança pode adorar livros e histórias, desde que os adultos não atrapalhem. E como temos atrapalhado o que poderia ser uma verdadeira paixão pelos livros! Ler é bom, precisamos formar leitores, a vida sem a literatura não teria graça, temos de incentivar o hábito da leitura nas crianças e nos jovens etc. Afirmações como essas brotam da boca de pais e de professores assim, sem mais nem menos.

Temos gosto em pegar frases e repeti-las muito, até que elas percam seu sentido, não é verdade? Assim aconteceu com essas e outras afirmações que tratam da importância da leitura na vida dos mais novos: tanto fizemos que conseguimos esvaziar o que elas dizem.

Primeiramente quero falar dessa expressão horrorosa: “Criar o hábito da leitura”. Ah! Vamos aproveitar e lembrar outra semelhante: “Criar hábito de estudo”.

Nós queremos que as crianças tenham prazer com livros e histórias ou queremos que adquiram um hábito?

Leitura, tanto quanto estudo, não deve ser tratada assim. Um hábito se instala e pouco -quase nada- acrescenta à vida de uma pessoa.

Já o amor, o prazer, o gosto verdadeiro pela leitura ou pelo estudo são capazes de mudar a nossa vida. Ler e estudar devem ser uma escolha, uma vontade, uma busca por algo que não se tem.

O bebê já pode ser introduzido ao mundo dos livros e da leitura. Pais e professores podem começar contando histórias e oferecendo livros para que ele manuseie, explore, se entretenha com esse objeto. E não precisa ser livro de plástico, que produza som ou coisa semelhante. Livro de verdade mesmo, de papel, com figuras bonitas e letras, encanta o bebê.

O escritor Ilan Brenman, apaixonado pela literatura, afirma que um requisito importante para iniciar as crianças no universo da leitura é a beleza do livro. Sim: uma capa bonita já chama a atenção da criança, tanto quanto as ilustrações. Aliás, muitos livros sem palavras são lidos pel as crianças com a maior atenção.

Ainda falando de bebês e crianças muito pequenas: o papel do livro, suas diferentes texturas, odores e cores também já são alvo da curiosidade delas e objeto de pesquisa concentrada.

E o que dizer de livros de histórias que crianças já conhecem e adoram -”Peter Pan” e “Alice no País das Maravilhas”, por exemplo- com adaptação em “pop-up”? Imperdíveis, já que encantam crianças e adultos.

Não devemos menosprezar as crianças quando o assunto é história: elas não gostam apenas daquelas que foram escritas para as crianças. Toda a literatura, principalmente a clássica, pode ser oferecida, sem censura.

Tornar a leitura um ato obrigatório é uma dessas manias que nós adotamos com as crianças que prejudicam a descoberta que elas poderiam fazer do prazer da leitura. Tudo bem: isso pode ser feito como tarefa escolar, mas depois, bem depois de oferecer a elas a oportunidade de ler por gosto e não por obriga ção, no fim do ensino fundamental, por exemplo.

Finalmente: a literatura não deve servir para moralizar a vida dos mais novos.

Nada de contar histórias que só servem para tentar “ensinar” a criança a ter bons modos, escovar os dentes etc. A educação moral e para a higiene, por exemplo, deve usar outros recursos.

Que tal um programa com seu filho? Visitar uma biblioteca ou uma livraria para procurar um livro bonito e gostoso de ler e de ouvir?

Certamente você e seus filhos irão aprender muito sobre a vida e sobre vocês mesmos nesse programa. E boa viagem!

Fonte: jornal Folha de S.Paulo (por Rosely Sayão)

Timidez não é defeito

Toda criança tem o direito de ficar sozinha e quieta. Toda criança tem o direito de não ser extrovertida, de gostar de brincar com poucos colegas e de não responder a todas as perguntas que os adultos lhe fazem, inclusive — e principalmente — pais e professores.

A criança tem o direito de ser tímida!

Mas, pelo jeito, estamos roubando esse direito dela.

Já faz um tempo que “participar” das aulas na escola, mesmo que seja falando qualquer bobagem, tem sido uma atitude exaltada e incentivada pela maioria dos educadores.

Receber muitos telefonemas, convites para festas, para brincar na casa de colegas da escola ou mesmo para viajar no final de semana tem sido tratado como índice de boa socialização.

Os pais, em geral, se preocupam quando os filhos, mesmo os menores de seis anos, não são “populares” entre seus pares.

Mas o problema é que, agora, estamos exagerando. Não basta considerar a timidez um defeito: queremos transformar essa característica em patologia, tratar.

Isso já é demais.

A mãe de um menino de dez anos me escreveu contando que a escola que seu filho frequenta promoveu uma palestra para os pais com o título “Como tratar as crianças tímidas”. Ela foi, ouviu tudo e voltou preocupada.

Agora, essa mãe acredita que precisa levar o filho para um tratamento psicológico porque, segundo aquilo que ouviu na escola, ou pelo menos o que interpretou do que lá foi dito, o futuro do filho não será lá muito promissor caso ele não consiga superar a timidez que hoje apresenta.

No mundo da diversidade, não suportamos as diferenças, é isso?

Queremos que nossos filhos tenham todos os brinquedos que os colegas têm. Queremos que viajem para os mesmos lugares que seus pares contam ter visitado, que usem as roupas e os calçados das mesmas marcas que a maioria dos colegas e que se comportem de modo semelhante ao da maioria.

Acreditamos que crianças padronizadas e uniformes formam um grupo, e que os diferentes são excluídos dele.

Isso é uma grande violência que nós praticamos contra os mais novos.

Afinal, será que desconhecemos que o mundo tem lugar para todo tipo de pessoa?

Será que ninguém conhece adultos bem-sucedidos em sua profissão e que são extremamente tímidos na vida social?

Conheço pessoalmente vários casos assim e, por leitura de biografias, muitos outros. Escritores, cientistas com renome internacional, artistas, professores etc.

E adultos muito extrovertidos, com uma vida social intensa e uma rede de conhecidos enorme, mas que apesar disso são infelizes e não realizados na vida: será que ninguém conhece?

Temos tratado as crianças de uma maneira muito pouco respeitosa. Não suportamos que elas sejam muito ativas, rebeldes, que fiquem tristes, que reclamem, que desobedeçam, que queiram ficar quietas, que não parem, que sejam tímidas.

Ora, queremos formar uma massa de crianças medianas ou medíocres?

Vamos deixar as crianças tímidas em paz. Elas podem mudar na adolescência. Aliás, as muito extrovertidas também podem se transformar em tímidas nessa mesma época da vida.

Timidez não é defeito, tampouco doença. É apenas uma característica e, se a criança tiver oportunidades de ser aceita e reconhecida da maneira como ela é no momento e aprender a não permitir que esse seu traço impeça a sua vida de acontecer, ela crescerá de acordo com seu potencial e conseguirá, sim, encontrar meios de viver de acordo com esse seu jeito de ser.

Se, ao contrário, insistirmos para que ela altere essa sua característica, aí sim, nós poderemos atrapalhar o seu desenvolvimento e prejudicar o seu autoconhecimento, o que é fundamental para qualquer pessoa viver melhor.

Fonte: jornal Folha de S.Paulo (por Rosely Sayão)

Todo jovem estuda na Febem

Eles vivem no Facebook e SMS. Os adultos querem que saiam do celular ou do game para prestarem atenção aos estudos. E as escolas proíbem tudo que é divertido. Quanto desperdício de humanidade.

O slogan das escolas — “Cala a boca” e “Decora aí”— presta um profundo desserviço aos meninos e meninas. O que os adolescentes fazem enquanto ficam com aquela cara de UTI nas aulas é estudar a matéria mais importante para o resto de suas vidas: sociologia.

Nas redes sociais, aprendem Shakespeare: amor, ódio, inveja, estratégias de adaptação e rejeição tribal. Por que ela não quer sair comigo? Como é que ele deu um beijo e nunca mais ligou? Será que eu vou levar uma porrada daqueles grandões se eu responder à pergunta da professora?

Tudo de importante na humanidade —guerras, arte, empresas— tem na sua origem questões emocionais ou afetivas, a vasta maioria aprendida —ou não— na adolescência. Vigotsky sabia disto. Estamos distraindo o esforço sério com bobagens como trigonometria e a diferença entre mesosfera e litosfera.

Que escola dita forte ou de elite teria a coragem de reaplicar uma prova de, digamos, biologia, um ano depois, para o mesmo grupo de alunos? Sabe que vai ver nota 2 onde havia uma nota 9 um ano antes.

A Universidade de Chicago fez o estudo e concluiu: 96,7% de tudo que é passado como matéria na escola é esquecido por completo. Se tiver dúvida, cite três elementos da tabela periódica em ordem, explique o uso do verbo dicendi ou diferencie uma grande sesmaria de uma capitania hereditária. Você sabia tudo isso, de cor.

Estudos do cérebro mostram que há uma área, o córtex cingulado anterior rostral (RCZ em inglês), que é um desconfiômetro sofisticado. Ele avisa quando você não está agradando ou se identificando com a tribo. Durante quase toda a história do homem, não ser aceito significava a morte e hoje ainda é relevante, seja Abercrombie & Fitch ou Abre a Kombi e Fecha. Este RCZ se apura enormemente na adolescência e quem dá aula é o Twitter e o recreio.

Contrariar a necessidade antropológica dos adolescentes é o que os torna aborrecidos. (…)

O ensino médio é uma tragédia. Ora, não há porque eliminar aprendizado de conteúdo, e é fácil ensinar a partir do interesse real da meninada. Mas via cartilha, simulado e provinha —com as respostas na web— é muito obscurantismo. Hoje, é difícil saber, de fora, se um prédio abriga uma escola ou uma Febem [atual Fundação Casa]. Os adultos, portanto, estão tirando zero nessa matéria.

Fonte: jornal Folha de S.Paulo (por Ricardo Semler)

A Escola da Ponte

Os olhos são órgãos marotos. Mesmo perfeitos, não são dignos de confiança. “Não vemos o que vemos; vemos o que somos”, escreveu Bernardo Soares. A gente pensa que os olhos põem dentro o que está longe, lá fora, quando o que os olhos fazem é por lá longe o que está dentro.

É o caso dos olhos do pai e os olhos do apaixonado por sua filha… Olho de pai é olho que se educou com a vida. Conhece a menina, viu-a nascer, crescer, voar, cair… Alegrou-se nos dias de sol, entristeceu-se nos dias de sombras e escuridão.

Os olhos do apaixonado são diferentes. Neles mora uma pitada da loucura que se chama fantasia. O apaixonado vê como realidade aquilo que existe dentro dele como sonho. Versinho enorme de Fernando Pessoa: “Quando te vi, amei-te já muito antes”. Traduzindo: vejo no seu rosto o rosto que já morava dentro de mim, adormecido… O apaixonado é um porta-sonhos.

Vocês, meu leitores, não devem estar percebendo a propósito de que é essa meditação sobre os olhares. É que eu escrevo por meio de parábolas, e o que está em jogo é um pai de olhar claro, uma donzela linda, sua filha, e um apaixonado que vê com olhos de poeta. Respectivamente, o professor José Pacheco, a Escola da Ponte e eu, Rubem Alves.

Visitei Portugal, acho que no ano 2000, e lá conheci uma escola diferente: a Escola da Ponte. Para mim, foi um espanto. Fiquei apaixonado e escrevi um livrinho sobre ela: “A Escola com que Sempre Sonhei Sem Imaginar que Pudesse Existir”. Amei a Escola da Ponte, amor à primeira vista.

Sou um educador. Escrevi muitas coisas sobre a educação no transcorrer da minha vida. Mas, de tudo o que escrevi, acho que minha contribuição mais significativa para a educação foi esse relato espantado e apaixonado.

A Folha publicou uma entrevista com o título “O lado escuro da Escola da Ponte” (7 de março de 2011). Nessa entrevista, o professor José Pacheco manifestou a sua preocupação com esse livro, exatamente por ele ter saído de um olhar apaixonado. A paixão obscurece os olhos que se põem então a construir mitos. E os mitos podem ser enganadores. O meu livrinho poderia levar os leitores a fantasiar coisas maravilhosas sobre a escola que não correspondem à realidade.

O que são mitos? Mitos são sonhos transformados em poesia. E a poesia tem poderes mágicos de transformar e dar vida. Quem explica o mito é Fernando Pessoa:

“O mytho é o nada que é tudo;/ Sem existir, bastou./ Por não ter vindo foi vindo e nos creou./ Assim a lenda se escorre a entrar na realidade/ E a fecundá-la decorre”.

A visão mítica, que não é intencional, acendeu sonhos que dormiam em mim. Aí me vieram ao pensamento estes três textos que dizem o que penso.

Primeiro, Miguel de Unamuno: “Recuerda, pues, o sueña tú, alma mia -la fantasia es tu sustancia eterna lo que no fué; com tus figuraciones hazte fuerte, que eso es vivir, y lo demás es muerte”.

Depois, as palavras de Tolstói, que Guimarães Rosa cita com aprovação: “Se descreves o mundo tal como é, não haverá em tuas palavras senão muitas mentiras e nenhuma verdade”.

Finalmente, esse delicioso poeminha de Mário Quintana sobre as utopias: “Se as coisas são inatingíveis, ora… não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos se não fora a presença distantes das estrelas”.

Continuarei a apontar para as estrelas…

Fonte: jornal Folha de S.Paulo (por Rubem Alves)

 

A reforma educacional de Xangai

No final do ano passado foram divulgados os resultados da última edição do Pisa (2009), que avaliou o desempenho de estudantes de 15 anos de idade em exames de proficiência em leitura, matemática e ciências. Alunos de 65 países participaram da avaliação. Xangai, a maior cidade chinesa, foi a primeira colocada em todas as disciplinas.

Um estudo recente da OCDE, “Strong Performers and Successful Reformers in Education”, analisou a reforma educacional de Xangai.

Em 1978, a China iniciou um processo de abertura e liberalização econômica, e Xangai teve um papel de liderança nas reformas, incluindo a do sistema educacional. O objetivo dessa reforma foi elevar o aprendizado em sala de aula.

O processo foi iniciado em meados da década de 80 com uma mudança curricular. O currículo atual tem três componentes: o básico, implantado por meio das disciplinas obrigatórias; um segmento de disciplinas eletivas; e um conjunto de atividades extracurriculares.

Essa reforma do currículo foi complementada por mudanças na formação inicial e continuada dos professores e pela renovação do material pedagógico. Os exames de proficiência dos estudantes também foram redesenhados.

Outro elemento importante da reforma de Xangai foi a criação de um sistema de avaliação das escolas. O governo avalia as escolas em termos de sua infraestrutura física e da qualidade da educação oferecida.

As informações sobre o desempenho das escolas são divulgadas de forma ampla, e a cobrança dos pais exerce uma forte pressão pela qualidade da educação.

Várias estratégias foram desenvolvidas para melhorar o desempenho das piores escolas. Sob o ponto de vista financeiro, recursos públicos são transferidos para as escolas mais carentes, de forma a assegurar um nível mínimo de gasto por aluno.

Professores e diretores de escolas urbanas de boa qualidade são transferidos para escolas rurais, que muitas vezes têm dificuldade de atrair professores.

Estratégia mais recente estabelece um contrato de gestão, por meio do qual uma escola de boa qualidade assume, durante um determinado período, a gestão de uma outra que tenha desempenho fraco.

Em essência, a reforma educacional de Xangai combinou elementos de responsabilização de professores e escolas com recursos para que as metas de qualidade do ensino sejam atingidas. Alguns aspectos da experiência de Xangai são específicos, como a valorização da educação na cultura chinesa, mas suas lições gerais são bastante relevantes para o Brasil e outros países que buscam melhorar a qualidade do ensino.

Fonte: jornal Folha de S.Paulo (por Fernando Veloso)