“Vim do Nordeste. Vim das festas em que mesmo os que padeciam de comum tristeza sorriam. Foi assim com minha mãe e minha madrinha. Ambas viúvas. Ambas dançando a alegria em uma festa de São João.”
Se eu soubesse, não teria ido. Se eu soubesse, teria feito nada no dia de São João.
Vim do Nordeste. Vim das festas em que mesmo os que padeciam de comum tristeza sorriam. Foi assim com minha mãe e minha madrinha. Ambas viúvas. Ambas dançando a alegria em uma festa de São João.
Os tempos são outros. Cansei de ficar em casa. Embotada. Varrendo sem parar como se tivesse o poder de varrer toda a tristeza do mundo. Jânio me deixou. Sem muitos dizeres, porque ele nunca foi amigo das palavras. Encontrou outra. Quando ele anunciou a partida, partida ouvi. Não chorei na hora. Decidi que choraria em segredo, depois.
Ainda amo Jânio. Amo-o com todas as forças que nem tenho. Nunca imaginei minha vida sem ele. Eu o chamava de “meu pequeno”, e é ele um homem enorme. Eu olhava para o futuro, e ele morava comigo em todos os anos que ainda viriam. Mas o fato é que ele conheceu Janaína. Mais jovem do que eu. Mais bela, talvez. Não sei dizer. Não quero me diminuir ainda mais.
Nunca mais o vi desde que ele se foi. E foi justamente na festa de São João. Ele e ela. Os fogos pularam do centro da terra e queimaram alguma coisa em mim. Não havia como disfarçar. Os dois me olharam. E eu já não me via. Sorri desajeitada. Os acenos foram rápidos. A dor, não.
Quis ir embora. Quis pedir ao tempo que fizesse alguma coisa. Estava farta da lentidão dos dias. Farta de ouvir dos meus amigos que o tempo cura a dor. Quanto tempo ainda vai demorar? Já faz um ano que ele se foi. O “meu pequeno”. Como será que Janaína o chama?
Ele me chamava de “princesinha do norte” e eu gostava. Nem do norte eu sou, mas eu gostava. Janaína é do Rio. Será que ele a chama de “princesa do rio”?
O que me importa? Deveria ter sido um dia de alívios. Depois de Jânio, eu havia decidido que não mais usaria o coração para o amor. Que seria apenas para a alegria. E é de alegria que é desenhada a festa de São João. Os doces, as músicas, as brincadeiras, o frio. Nem o inverno quis vir este ano. O calor que eu sentia, depois de ter visto o que não deveria, atrapalhou minha compreensão.
Fui tonta para casa. Disse nada a ninguém. Havia acabado de chegar. Jânio viveu seis anos comigo. Passou tão rápido. Diferente de hoje que a noite não desiste de continuar. Quero que o sono chegue logo para que eu mude logo para o dia seguinte. E para o outro. E para o outro. Até chegar o dia do esquecimento. O dia em que eu abra a janela e veja sem pensar. O pensamento é que me consome a alegria.
Quando eu era criança, sonhava com casamento. Sonhava com uma família cheia de crianças me chamando de mãe. Hoje, eu sonho com uma noite sem sonho. Porque, se sonho, ainda é com ele. Parei de esperar pela sua volta. Parei de desejar que se desentendessem.
Minha mãe e minha madrinha perderam os seus amores. Mas para a morte. É diferente. O luto é outro. O meu está vivo e está dizendo o que antes dizia para mim para outra mulher. E a outra mulher está ainda mais viva porque pode ouvir o que antes eu ouvia.
Sei que eu deveria agradecer o tempo do amor e prosseguir. E encontrar outro amor. É assim com tanta gente. Ainda não consigo. Ainda não sinto o perfume impossível das flores que brotam em minha janela. Por isso tanta gente tem medo de amar. O fim é muito doído. Passei dias esquecendo de sorrir. Melhorei há pouco. E, justo agora, na festa que lembra os meus sonhos, eu o vejo e ele não me vê. Eu, para ele, sou o ontem. Ou nem isso. Ele, para mim, é o sempre. Não. Vai passar. Eu sei. Um dia, cicatriza. E aí eu vou dançar de novo a quadrilha dos que amam a vida.
Ué! Quem está batendo na porta a essas horas?
Publicado no dia 30 de junho de 2019, no jornal O Dia (RJ).
