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Escolas e youtubers

Há uma febre entre adolescentes e jovens querendo fazer sucesso nas redes sociais. Tornar-se celebridade na internet parece mais simples, mais barato, mais rápido.

Há youtubers de vários estilos arregimentando milhões de seguidores.

Vídeos com humor. Vídeos que despertam curiosidade. Vídeos com dicas de beleza, saúde, elegância, alimentação etc. Cada um vai construindo o próprio estilo. Há aqueles que promovem suas músicas, sua arte.

E o que isso tem a ver com a educação formal?

Há escolas que já perceberam que o processo de ensino e aprendizagem é facilitado quando o aluno compreende a razão pela qual está aprendendo.

Há uma fase na vida em que a maturidade cognitiva admite diletantismos intelectuais. Abstrações. Elegâncias que fazem bem à alma. Sem essa maturidade, entretanto, é preciso que o aprendiz entenda a razão pela qual ele está aprendendo. Aprender a ser um youtuber envolve vários processos do conhecimento. Aprende-se a falar, a se comunicar com clareza, a ter um estilo. Só aí já vale o longo percurso. Falar corretamente é desafiador. Aprende-se a pesquisar. Quem quer escrever, dirigir ou apresentar vídeos sobre nutrição tem que aprender a escolher onde e como pesquisar, tem que saber relacionar e sintetizar. Aprender a construir um texto. Próprio. Autêntico. Seja no humor ou no jornalismo. Na arte de divertir ou na arte de transformar.

Há uma outra questão fundamental nas escolas que ensinam a ser um youtuber. Os alunos têm um problema para resolver, um vídeo para produzir. E precisam, para isso, percorrer todo o processo de execução. E chegam a um produto final.

Escolas preparam para a vida e se valem da vida para se reinventarem.

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 16/12/2016

O professor e Drummond

Um amigo meu, Carmo, contou-me esta história. Carmo não é seu primeiro nome, nem o último. É o nome do meio. “No meio do caminho havia uma pedra”, explicava Drummond. No meio de tanta gente, havia um professor. Sempre há um professor. Este, o professor do Carmo, gostava de poemas, gostava de Drummond. Certa feita, explicava o professor, ele mandou alguns de seus rabiscos para o poeta maior. Enviou em folhas brancas preenchidas com sua letra. Nada de máquinas de escrever ou de computador. O poeta merecia ler os seus textos inéditos. Evidentemente, ele os copiou. Guardaria no caso de uma publicação. Era um professor do interior. E, do seu interior, nasciam letras e palavras e frases. Pois bem, revela o meu amigo que o dito professor gostava de contar sua história com Drummond. Explicava ele com detalhes que demorou muito a se decidir se enviava ou não a tal carta com os tais poemas. Conseguiu o endereço do poeta. Investigou para saber se ele mesmo costumava ler as cartas que recebia. Quis saber de alguém se alguém já havia recebido alguma resposta. As informações eram vagas, mas ele decidiu prosseguir. E mandou. Lá se foram os dias de comedimento e a inauguração da ousadia. O maior poeta vivo haveria de ler, enfim, os seus poemas. Ficaria ele surpreso? Ficou relendo o que Carlos Drummond escrevera quando pela primeira vez leu o texto de Cora Coralina:

“Cora Coralina.

Não tenho o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite em suas mãos. Admiro e amo você como alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina. Todo o carinho, toda a admiração do seu. Carlos Drummond de Andrade”

O professor contou que a resposta do poeta veio. E veio delicada. Não quis revelar os entremeios do que disse. Apenas falou do início e do final. O início começava com “Estimado professor” e, a seguir, elogios à nobre profissão de quem semeia amanhãs. E, ao final, encerrava, antes da assinatura, com um carinhoso “abraços saudosos”. “Abraços saudosos”, repetia o professor.Insistia que era muita honra essa distinção. “Abraças saudosos” significaria, escreva-me mais, continue com sua obra poética, não me esqueça. O professor dizia e se emocionava.

Os alunos nem sempre são inocentes. O professor poeta já não gozava de boa memória. E não se sabe o tempo que a tal missiva de Drummond o havia emocionado. Quando o professor entrava na sala de aula, algum aluno o interpelava perguntando: “Professor, é verdade que o próprio Drummond lhe escreveu uma carta?”. O professor enchia-se de orgulho e com modéstia iniciava: “Eu não contei para vocês? Não conto para não me gabar, mas foi verdade, sim. E sabe como ele terminou a carta? Abraços saudosos, abraços saudosos” E lá iam detalhes e mais detalhes da dúvida em enviar, do envio e do recebimento da carta do poeta.

Quando os alunos inquiriam sobre novas cartas ou sobre a publicação dos poemas, o professor olhava ao longe, dava uma pausa, e prosseguia o ofício. Carmo não gostava do que os alunos faziam. Tinha vontade de dizer ao professor que ele contava a mesma história toda a aula. Mas vivia em dúvida. Era tanta felicidade daquele velho mestre em contar o seu dia de glória, ao abrir a tal carta, que, talvez, não tivesse ele o direito de endireitar as coisas. À esquerda daquele peito, um coração batia feliz, por um tempo que talvez tivesse existido. Algumas vezes, ele terminava a aula com um poema seu. Eram bons, revela Carmo. Outras, dizia algo de Cora Coralina ou do seu amigo Drummond. E se emocionava como só acontece a um poeta.

Cartas são objetos não tão comuns. Professores prosseguem com seus saberes e com suas ausências. São humanos, afinal.

Ontem, foi dia do professor. Histórias como estas preenchem cada canto deste país. Mulheres e homens se desnudam para cobrir de futuro os alunos. Aos meus irmão de ofício, o meu respeito, o meu carinho.

Por: Gabriel Chalita (fonte: O Dia) | Data: 16/10/2016

Sua Excelência, o Professor

O que leva alguém a abraçar a carreira de professor? O que leva uma pessoa a se decidir por um ofício que exige disposição cotidiana para ensinar, envolver, surpreender, confirmar que o futuro existe?

Hoje, é dia do professor.

Hoje e todo dia. Porque todo dia, no “chão da escola”, há uma troca de experiências que instiga os alunos a perceberem que podem mais. Há desafios de envolver as famílias para que estejam presentes, de trabalhar currículos para que sejam significativos, de compreender heterogeneidades. Os alunos são únicos. As turmas não se repetem. Portanto, a formação continuada do professor é fundamental para o seu ressignificar. Nós nos reinventamos para surpreender. Aos nossos alunos e a nós mesmos.

É preciso gostar do que se faz. E de fazer coletivamente. Evidentemente, não se deve ter a ingenuidade de achar que basta o amor pelo ofício. É preciso pensar no sistema, na carreira. A carreira, aliás, está longe de ser atrativa no aspecto financeiro.

No passado, quando poucos tinham acesso à escola pública, um professor ganhava como um juiz de direito. Hoje, vejam quanto ganha um juiz, um promotor de justiça e um professor. Por que tanta diferença? O piso do magistério foi uma conquista, mas está longe do ideal.

Além do salário, falemos de respeito. Vejam quantas reformas já foram propostas em âmbito federal, estadual e municipal. Em muitas delas, esqueceu-se de “sua excelência, o professor”. Como podemos reformar o ensino sem envolver quem está nas escolas todos os dias? De forma vertical, de cima para baixo, nunca dará certo.

Costumamos usar exemplos internacionais mesmo sem conhecê-los com profundidade. Mas o fato é que Finlândia ou Espanha, Coréia ou Japão, Hong Kong ou Israel têm em comum o profundo respeito ao professor. E à sua autonomia. É o seu agir que desperta a criatividade e o protagonismo dos alunos.

O melhor presente para os professores no dia do professor é jamais deixá-lo de lado. A bandeira da educação tem que tremular acima de bandeiras ideológicas ou partidárias. As mudanças educacionais não podem servir a governos, mas ao Estado Brasileiro. A educação é o caminho para reduzir as desigualdades e permitir que filhos de ricos ou pobres, nascidos no Sul ou no Nordeste, imigrantes ou indígenas, brancos ou negros, tenham direito a revelar seus talentos. Os maestros sabem disso. Só que, às vezes, não são ouvidos.

O que leva, então, alguém a abraçar a carreira de professor? Talvez a teimosia, ou resistência, ou um sonho coletivo de continuar professando a crença na humanidade.

Por: Gabriel Chalita (fonte: O Imparcial – Araraquara) | Data: 15/10/2016

Começar de novo

Uma notícia muito positiva, nesses dias, merece nossa reflexão. Nove internos da Fundação Casa foram classificados para a 2ª prova das Olimpíadas de Matemática. Cada um deles teve, certamente, uma história de dor, de queda, de fracasso. Ao cometerem atos infracionais, tiveram sua liberdade privada, suas trajetórias interrompidas. Mudaram de lar, de escola, de espaço, de relacionamentos. Na Fundação Casa, precisaram buscar espaços para o reencontro com o que foi perdido. Na nossa sociedade, não é simples a reinserção social, nem do adolescente que frequentou uma unidade de internação nem do adulto que passou pelo sistema penitenciário. Erraram, certamente. Cometeram deslizes que prejudicaram a sociedade. Feriram pessoas e suas famílias. Mas e depois? Esses espaços consomem muito dinheiro público. E depois? Como deve ser a volta ao convívio social? Ficarão marcados para sempre pelos erros que cometeram? Mas, se cumpriram a lei, se tiveram direitos restringidos, não é necessário garantir a eles uma oportunidade para um novo começo? Até porque eles não terão muita escolha: ou isso ou o mundo do crime lhes estará de portas abertas.

 

Desse grupo de jovens, alguns já deixaram a fundação há poucos dias. Os outros três continuam cumprindo a internação. Ansiosos por contar às famílias suas conquistas no estudo. Sonham com uma vida melhor. Com um futuro diferente, de oportunidades.

“Se os outros conseguem, por que a gente não?”, perguntou um deles. E declarou, convicto: “Eu consigo ir além”. Esses jovens são tão inteligentes quanto os outros jovens que estudam em escolas públicas ou privadas. O que lhes falta, talvez, seja o exemplo, a educação correta, a inspiração que vale tudo na vida. Seus depoimentos servem de farol para uma sociedade que prefere descartar a corrigir, jogar fora a lapidar, dispensar a conclamar para um novo começo. Cuidemos das imperfeições para que vidas não sejam desperdiçadas.

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 25/09/2015

Os 200 anos de Dom Bosco

João Bosco nasceu em 16 de agosto de 1815. Hoje, comemora-se seu bicentenário. O Papa João Paulo II, no centenário de sua morte, proclamou-o “Pai e Mestre da Juventude”. Sua história explica as razões.

Órfão de pai aos 2 anos de idade, foi sua mãe, Margarida, analfabeta como o pai,  a sua mestra inspiradora. Se lhe faltava a cultura dos livros, sobravam-lhe bondade e fé. O pequeno João trabalhou como sapateiro, ferreiro, carpinteiro. Caminhava, diariamente, 20 quilômetros para chegar à escola. Não poucas vezes ia de pés descalços, para economizar calçados. Mas não reclamava. Sempre cultivou a alegria como um valor fundamental da vida.

 

Aos 9 anos, teve um sonho. Nesse sonho, via alguns jovens brincando alegres, dançando, partilhando a amizade, e outros brigando. Ele se dirige aos que estão brigando e pede que parem de se agredir. Como não é atendido, resolve se impor, batendo nos jovens. Em meio às brigas, um homem surge e diz a ele: ”Não será com pancadas que transformarás esses jovens em amigos. Trata-os com bondade! Mostra-lhes quão bela é a virtude e quão desprezível é o vício.”

Esse sonho nunca foi esquecido por Dom Bosco. Quando manifestou seu desejo de ser padre, assim explicou: “Quando crescer, quero ser padre para cuidar dos meninos. Todo menino é bom; se há meninos maus, é porque não há quem cuide deles”. 

Dom Bosco acreditava profundamente nisso. Não há como imaginar que Deus tenha feito alguns para serem bons e outros para serem maus. Tudo é uma questão do cuidar. Dizia ainda: “Em todo jovem, mesmo no mais infeliz, há um ponto acessível ao bem, e a primeira obrigação do educador é buscar esse ponto, essa corda sensível do coração e tirar bom proveito”. Ele dizia e vivia esses conceitos. Toda a sua vida foi dedicada a esse sonho de cuidar dos jovens, principalmente daqueles que ninguém queria cuidar.

 Certa vez, um sacristão pede a um menino que estava na Igreja que o ajude na missa. Quando fica sabendo que o menino não sabia o que fazer, resolve expulsá-lo. Dom Bosco acolhe o jovem e explica ao sacristão que ele era seu amigo. Conversa com o menino, fica sabendo seu nome, que não tinha pai nem mãe, que não sabia escrever. E o convida para vir toda semana e que traga outros jovens. Assim começa a sua obra. Em pouco tempo, eram 200. Depois 400. Eram expulsos de onde moravam. Tinham que buscar outros espaços. A cidade se dividia. Os que o apoiavam achavam que apenas ele poderia controlar esses pequenos bandidos, os que o criticavam diziam que, um dia, tudo fugiria ao controle. Alguns achavam que Dom Bosco era louco. Padres conhecidos seus quiseram interná-lo em um hospício. Mas ele persistia, acreditando no sonho primeiro e sentindo a proteção de Nossa Senhora Auxiliadora.

Sua obra, os salesianos, está espalhada em todos os cantos da terra. Tive a honra de ser um aluno salesiano no Colégio São Joaquim, em Lorena, e depois na Faculdade de Filosofia. Fui professor, nesse mesmo colégio e no Colégio Santa Teresa, das freiras salesianas. Bebi dessa fonte que acredita na bondade humana e que se ocupa de educar os jovens sem medo de amá-los.

Dom Bosco criou um sistema em que educava pela razão, pelo coração e pela religião. A razão é o ofício que ajuda crianças e jovens a discernir, a conhecer, a produzir, a construir a própria história. O coração cuida dos laços que nos ligam uns aos outros, das emoções, da confiança em seguir adiante, enfrentando os medos. E a religião dá significado à existência – o elo de amor com o Amor maior que nos criou para a bondade.

Antes de estudar com os salesianos, fui aluno de uma escola pública em Cachoeira Paulista. Ali, inspirado pelas minhas primeiras professoras, nascia o desejo de ensinar. E, depois, com os salesianos, fui compreendendo a beleza de educar com afeto, com vínculo. Na PUC, conheci Paulo Freire que também pregava a boniteza da vida em uma educação que não tinha medo em ser amorosa.

Dom Bosco morreu em Turim, no ano de 1888, aos 72 anos de idade, mas sua obra permanece. Seus dizeres alimentam de esperança milhares de jovens que, nos colégios e nas obras sociais, são convidados a revelar o seu melhor. Reler os seus ensinamentos e perceber a atualidade dos seus sonhos ajudam a construir uma pedagogia absolutamente correta. Não há como educar sem vínculo, não há como estabelecer uma relação de ensino e aprendizagem sem compromisso. É preciso gostar de estar com os jovens. É preciso compreender que a rebeldia, a inquietude, os sonhos são aliados de uma educação para a autonomia, a liberdade. Não fomos criados em série. Somos singulares. E o educador precisa levar isso em consideração. Educar será sempre um desafio, será sempre trabalhoso, será sempre uma ação que carece do simbólico. É preciso ir além, suplantando os que nos têm como loucos, por acreditarmos tanto no ser humano e por decidirmos não desistir de ninguém nem de quem nos dá muito trabalho ou de quem ninguém quer cuidar.

Há mulheres e homens que nos inspiram a prosseguir, Dom Bosco é um deles e para nós, educadores, uma luz resistente, nascida há 200 anos. Luz que iluminou e ilumina por ter a energia de saber que “Deus nos colocou no mundo para os outros”.

 


Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 16/08/2015

Criança infeliz

É de Francisco Alves uma canção que embalou muitas infâncias:

“Criança feliz, que vive a cantar/ alegre embalar seu sonho infantil”. A cena de uma criança feliz é contagiante. A ausência de preocupações ou vícios. A confiança nos adultos que, decerto, derramam amor sem economias. Os cuidados todos. Os aplausos para as conquistas de todos os dias. O engatinhar, o andar, o pronunciar das primeiras palavras. Os risos. Os choros. Os dizeres que, com algum esforço, vão expressando sentimentos, desejos. É assim que quer a canção. É assim que se espera de quem resolveu trazer vida nova ao mundo. Mas os cotidianos estão cheios de infelicidades. 

Nesta semana, conheci Karla Jacinto, escravizada desde a infeliz infância para serviços sexuais. Karla era usada por uma média de 30 homens por dia. Porque era um serviço rápido. Eles queriam apenas “dar uma aliviada”, em seus próprios dizeres. Rápido e doloroso. Demorado e doloroso. Aos 12, 13, 14, 15 anos, foi sendo trocada por algum dinheiro. E via outras meninas no mesmo calvário. Algumas levadas pelos próprios pais. Covardes os que roubam a infância, a inocência, o futuro de uma criança. 

Karla, hoje, vive testemunhando sua dor para tentar acabar com essa chaga que adoece o mundo. O mundo de hoje. O que nós vivemos. Histórias de violência sexual contra crianças são mais comuns do que possamos imaginar. Dentro de casa, inclusive. Culpa-se o álcool, as outras drogas. Culpa-se alguma demência da mente ou da alma. Culpa-se a desestruturação familiar. Talvez todos nós tenhamos um pouco de culpa, quando não enxergamos o que está ao lado, preocupados que estamos com nossos próprios afazeres. Cuidar uns dos outros é a nossa constituição humana, é o nosso respirar comum. Há muito de poluição por aí. Infelizes seres indefesos que sorvem a dor dos desequilíbrios adultos. Que a poesia inspire a vida, reza o compositor: “Crianças com alegria qual um bando de andorinhas viram Jesus que dizia: Vinde a mim as criancinhas!”

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 24/07/2015

 

 

Conviver

Nesta semana, lançamos o programa “Recreio nas férias”. São inúmeras atividades de lazer e aprendizagem para crianças e adolescentes. As escolas são espaços privilegiados de convivência. Estava em um CEU, quando ouvi uma mãe dizendo ao filho: “Nossa, como é difícil conviver com você, somos muito diferentes”. Olhei e vi o menino inquieto e a mãe emburrada. Conversei com os dois. Disse que ficava muito feliz em ver os pais frequentando as escolas. Que isso é fundamental, pois, por melhor que seja a escola, ela nunca substitui o espaço da família e não resolve as carências deixadas pelas ausências.

Fiquei pensando nas palavras ditas por aquela mãe a seu filho. É verdade. Conviver não é fácil. Talvez seja, exatamente, pelo fato de sermos diferentes. Todos nós. E as diferenças se alargam quando convivemos mais proximamente. Quantos amigos se estranham em viagens, quando se deparam com as surpresas do dia a dia. Quantas inquietações há nas cobranças de uma relação amorosa, se um não faz o que o outro sonhou. Da lembrança de datas especiais à desatenção na mudança de penteado. Projeto no outro o que gostaria que o outro acrescentasse em mim. Mas o outro não sou eu e, por isso, me frustro. Conviver exige compreensão das imperfeições e dos sonhos de cada um. É difícil; porém, belo. Porque exige arte. Paciência. E um pouco de sabedoria. Compreender o tempo e as escolhas individuais é uma grande aprendizagem. Mãe e filho são diferentes, mas o amor entre eles é como um cimento poderoso que resolve as saliências e edifica construções bonitas de histórias de vida. 

Conviver sem amar é um desperdício. É o amor que ressignifica as relações e cria espaços saudáveis nos ambientes tantos que temos de frequentar. Casa, escola, trabalho, espaços públicos, mundos virtuais. Conviver sem amar pode ser inóspito, desagradável e desrespeitoso. O amor amplia minha visão sobre o outro e sobre a beleza das diferenças. Convivamos, pois, com amor e respeito. 

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 17/07/2015

 

 

Entrevista concedida por Gabriel Chalita ao “The Guardian”

Education in Brazil: Laying the foundations for change

Q&A Gabriel Chalita – Education Secretary for the City of Sao Paulo

Born and raised in the state of Sao Paulo, Gabriel Chalita was named the city’s education secretary in January 2015. A prolific writer, professor, lawyer and politician, Chalita’s experience in the field of education made him the ideal candidate to steer the huge and diverse metropolis towards lasting reform in the sector. Fully behind the recently-published National Education Plan, recognition of the value of teachers is at the heart of his thinking. The Report Company met with him to find out more.

The Report Company: What is your assessment of the progress being made in education in Brazil?

Gabriel Chalita: Education in Brazil has improved a lot conceptually and the country now knows that we have to educate all children. That is a very important idea. We have also improved legislation, and I presided over the education commission in Congress. We now have a National Education Plan. This is a major achievement for the ideas of inclusion, diversity, of educating all children, of providing services for children between 0 and 3 years of age – which no one spoke of before – and of providing education for everyone, youths and adults alike. Until very recently, daycare centres were not considered a part of educational policy. Today, however, we are aware that children need to be educated from the outset.

Now that we have put all the children in school, built a lot of new schools and changed the financing of education, our great challenge is quality. How can we make them learn?

I believe we have a number of obstacles. Firstly, we have to invest more in the teaching career. Teachers need to be valued in their hearts, minds and wallets. That means improved, continuous training, helping them to give better classes, listening to teachers, telling them how important the teaching profession is and a salary policy that communicates to young people that a teaching career is financially attractive. The latter improved a little with the new minimum wage for teachers, but it is still a long way from being realistic.

Secondly, we have to increase the time children spend in school, which means developing full-time education. I had the experience of building 500 schools when I was the state secretary of education, but we also need a more encompassing, more intelligent curriculum which unites theory and practice. I got to know schools in places like China, Korea and Finland and it is amazing how music education has come back today. Sports are also extremely important. Can you imagine a child these days sitting in a chair listening to teachers speak for a whole day? Finally, families need to participate more in order to complement the work taking place in school.

TRC: What do you see as the timeline for change in Brazil’s education sector?

GC: The National Education Plan is to be applied over a period of ten years. If everything that was put forward is realised, there will be a significant improvement in education in ten years. There are very objective, realistic assumptions and goals there: 50 percent of schools in a full-time regimen, at least 25 percent of students in a full-time regimen, and a percentage of teachers that need to have masters and doctorates. We have established very clear goals but the plan is not mandatory. There is no penalty. If the country gets behind it, though, we can easily have a very different educational reality in ten years’ time.

What I achieved at state level and what I will try to replicate here is training teachers as trainers. Educational consultants – who often only have experience at university – have no idea what teachers have to deal with in the classroom. The other day, I was talking to a teacher who told me, “of course I agree with inclusive education, but I have no idea what to do when a student with a disability I’m not familiar with arrives in my class”. Inclusion is a complex problem and people need to be involved in the process. Keeping close to the teachers is crucial.

TRC: On a more regional level, what is Sao Paulo’s education plan for the coming years?

GC: Our biggest priority at the municipal level is not leaving children behind. When I said that all children are in school today, I meant in basic education, not pre-school. Sao Paulo has more than 100,000 children waiting for a place at a daycare centre. We have to address that by building new daycare centres, and there are many under construction. Secondly, there are a lot of institutions that are associated with us and that we will expand. Thirdly we have a plan to invite the private sector to donate around 100 daycare centres to us. This is a much faster and more straightforward route than the public process which needs to go through project planning, purchasing of the land, expropriation procedure if necessary, getting the approval for the project and so forth.

The second challenge is getting the children to learn. It makes no sense for children to go to school, finish a full cycle and come out the other end still not able to read or write. We want to invest heavily in teachers that provide literacy training; this is the first bottleneck. Improving things early makes it easier from then on. The problem comes when children go through years accumulating these losses. So we want to invest in the teachers at the earliest stages, who were not given their proper value. People thought that they were not important because they were just teaching small children. But the world sees it differently now – the earlier your effect, the more essential your work is.

TRC: How can you and your schools change people’s perceptions of education?

GC: What makes one school better than another is the people behind it; the head teacher, the participation of the families. At a meeting with school heads, I told them that they needed to be leaders, that is, they needed to be able to notice deficiencies and problems with students, with classrooms, with teachers and address them. We have radio, photography, dance programmes in schools. We are going to expand the cultural curriculum greatly. We already have very significant models. The challenge is expanding them; getting good experiences, good practices and replicating them elsewhere.

Sao Paulo has been through a water shortage. One very important issue is using crises like that to educate, in order for people to ration their use of water, for instance, and to be more aware of its value. Educating about that is one of the roles schools have to play. Some people think that schools should focus on teaching languages and maths. Yes, this is part of it, but participating in a school play will also help. We have to seek alternatives for the learning process.

Moreover, you need to evaluate learning all the time. Brazil has improved a lot in that respect. I don’t see it as punishment, but as diagnosis. Using that information, you can ask yourself: “why are these students having trouble in maths? What are we doing wrong? Why are they doing better in one region than another?”

Schools are not a place for teachers to simply throw knowledge at students; that is not the case anymore. Teachers are not learning facilitators nowadays, they are knowledge encouragers. They stimulate students to look for and develop their taste for knowledge. Students need to want to research, to look for information.

TRC: The private sector has also noticed the importance of education as an investment in the future of the country. What has been your experience there?

GC: When I was in the state ministry, Viviane Senna and I developed the Family School project, which opened schools on weekends for culture and sports. The project received awards from the UN and the whole world came to see it, because what we did was amazing. During these weekends, we addressed four elements of the educational process: arts, sports, health and income generation. Based on that, schools could choose what they wanted to do, together with university students.

We also developed the Partners of Education project with Jair Ribeiro and other entrepreneurs which was akin to schools being adopted. When I was in charge of Fundacao Casa, a correctional institute for troubled minors, the Bradesco Foundation also developed a project to train these youths. We even visited penitentiaries in London, because the idea behind them is very different there. At the time, we learned about several different educational systems and I believe a lot in these kinds of partnerships. There is a lot of good will out there; there are very serious people that really want to help.

TRC: How would you define your management style and what defines your administration?

GC: Dialogue and respect. As I get to know people from the system, I bring them closer. I have been working with the idea for some time that educators need to be educated. You may very well fight for your goals and ideals, but let us all be educated and polite. Show your employees, your students that you are polite. This attitude is fundamental to my administration.

Brazil is a very large country with a large population that mostly doesn’t speak English. It is evident that there are great prospects for growth, even if the government expands considerably its efforts in higher education, there is still a lot of room for private universities to flourish. I have no issue with that; this dialogue is very important. We have to praise private companies that invest in education, alongside public efforts. We need to be open. It would be wrong to want all education to be public, and there are excellent private universities today backed by listed companies that have grown and expanded. There are opportunities for growth in Brazil; we’re the land of hospitality.

Por: Gabriel Chalita (fonte: The Guardian) | Data: 19/05/2015

Faz diferença, sim!

Gosto de correr na rua, em São Paulo. Gosto de cumprimentar as pessoas e de, ao final da corrida, gastar algum tempo com alguma prosa não combinada. 

Domingo passado, corri no Minhocão e depois subi um pedaço da Consolação até chegar à Maria Antônia, rua de tantas lembranças para nossa democracia. Foi quando uma senhora bem vestida, acompanhada de outra também muito elegante, abordou-me dizendo que eu precisava avisar o prefeito de que a cidade estava muito suja. Como eu estava correndo, diminuí o ritmo, dei alguma atenção e prossegui. Ela falou algo que não ouvi, e eu virei para ver se era comigo que continuava a falar. De repente, vi a senhora que clamava pela limpeza da cidade jogando no chão a embalagem de uma barrinha de cereais. Não tive dúvidas. Voltei e peguei o lixo, fazendo algum barulho para que ela notasse. Ela me viu abaixando e foi logo justificando: “Eu só joguei no chão, porque a cidade está suja, se não, não jogaria, mas um papelzinho não faz diferença”. Eu não quis ser grosseiro. Achei que ela já ficara suficientemente constrangida pela falta de educação. Respondi, educado: “Faz, sim”. E continuei correndo. E pensando em como é difícil fazer com que as pessoas reflitam sobre suas ações. Exigir do poder público é mais fácil do que agir corretamente. Criticar. Falar em ética. Em cidadania. Em respeito aos espaços públicos. Parece simples. Dar o exemplo no dia a dia é um pouco mais complicado. Mas é disto que precisamos. Fazer com que esse clamor pela ética, pela honestidade, converta-se em atos concretos. A educação tem um papel fundamental nessa mudança de comportamento. Querer levar vantagem, mentir, tentar dar um jeitinho na solução de um problema, tentar corromper, furar fila, jogar papel no chão… tudo isso faz diferença, sim!

A cidade gasta 1 bilhão por ano para recolher o lixo que jogamos nas ruas. Há cidades no mundo que nem lixeira têm. Nem lixo. Cada um leva o que produziu no bolso ou numa sacola e deposita no local certo, sabendo que é preciso cuidar da casa em que vivemos. Para nós e para os que virão.

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 24/04/2015 

 

Liberdade, profissão inegociável

Em uma roda de jovens, a discussão sobre o mercado de trabalho e as novas profissões tomou um rumo muito interessante. As incertezas sobre que caminho seguir na vida sempre povoaram a mente daqueles que, ávidos por um futuro, têm a preocupação de não errar nas escolhas. Antigamente, parecia mais definitivo. Cursar uma faculdade era renunciar a qualquer outra possibilidade. Parecia ser aquela a profissão que exerceria a vida toda. Hoje, há maior flexibilidade. Cursar mais de uma faculdade é possível, há cursos de pós-graduação para áreas tão distintas. Há graduações à distância. Mudar de emprego e de área também não é mais incomum. Em outros tempos, os sonhos das famílias para o destino dos seus filhos eram restritos a áreas como medicina, direito, engenharia e algumas poucas outras. Ser doutor era quase uma exigência. Hoje, há incerteza nos pais até na compreensão do que faz o profissional de áreas como mecatrônica, medicina nuclear, ecogastronomia, entre outros. Os cursos de gastronomia, turismo, hotelaria vão ganhando mais adeptos. As áreas todas de tecnologia mostram-se como caminhos interessantes de sucesso profissional. A criatividade, o design, a moda ganham mais força.

Falavam sobre essas questões aqueles estudantes, quando um disse da preocupação com outros jovens que não tinham qualquer preocupação. Daqueles que trilhavam caminhos sem volta. Comentavam sobre os tantos tipos de vícios. Dos amigos que se perdem. Foi quando um deles ensinou: “Ainda não sei que vestibular prestar. Tenho muitas dúvidas. Gosto de muitas coisas. Agora, de uma coisa, eu não abro mão. Da minha liberdade. Liberdade é uma profissão inegociável. O resto, a gente ajeita”.

É isso. Às vezes, há excesso de preocupação com profissões que remuneram mais ou menos e há falta de cuidado com a essência da realização humana. É preciso educar nossos jovens para que saibam dizer “não” a tudo o que retira deles o que de mais precioso eles têm: a liberdade.

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 27/03/2015