“Se não encontrarmos respostas adequadas a todas as questões sobre educação, continuaremos a forjar almas de escravos em nossos aprendizes.”
Célestin Freinet
A Pedagogia Freinet está centrada em quatro grandes princípios: afetividade, comunicação/documentação, autonomia e cooperação. Em sua obra destacamos a afetividade como exercício que desenvolve a capacidade de um sujeito em se deixar afetar pelo outro, a comunicação dialógica integrando conhecimentos e relações, autonomia e cooperação que se complementam entre si para a construção do ser social.
Em tempos de mudanças, o grande desafio do contexto em sala de aula é conceber e vivenciar experiências educativas que contemplem esses princípios, articulando a criação de vínculos afetivos ao desenvolvimento do ser humano.
É fundamental pensar que a educação não se faz apenas com a perspectiva das questões materiais. Excelência na educação se faz quando o foco está nos processos de humanização. A partir do instante em que se passa a pensar a escola como um espaço de relações de humanização dos direitos, nós nos encontramos com o pensar de Freinet “a educação não é uma fórmula de escola, mas sim uma obra de vida”.
Escola viva pautada na comunicação, autonomia e cooperação garante que o humano se torne cada vez mais humano, pois materializa uma concepção de educação transformadora. Para que exista uma educação que transforme, é preciso uma educação que humanize, que traga a afetividade como foco, “a cultura humana será, então a flor esplêndida, promessa segura do fruto generoso que amadurecerá amanhã”. (Freinet)
O ser professor implica em vivenciar as múltiplas relações entre as pessoas, os conceitos, o contexto em que se vive, os vários objetos culturais e as formas de percepção de mundo.
O desafio deste tempo presente é perceber que os significativos avanços tecnológicos estabelecem relações virtuais que estão isolando as pessoas, portanto é imprescindível construir espaços presenciais de relações humanas, onde esteja presente o toque, a percepção do outro, o sentido que a vida tem, o respeito às perspectivas: ética, estética e política.
A ética está relacionada a tudo que é voltado à solidariedade, à compreensão humana, à troca, ao respeito ao outro. A estética a todo processo criativo, com o exercício da ludicidade, das relações voltadas para o encantamento, para o belo; uma beleza que não seja estereótipo da superficialidade, mas a beleza do exercício de olhar para o mundo com os olhos de quem quer enxergar, enxergar várias formas, de arte, de expressão. E a política? É a dimensão da cidadania, da participação, do exercício efetivo dos direitos. Acreditamos que uma educação de excelência deve contemplar essas dimensões em sua profundidade, sem esquecer que não se faz excelência sem as relações presenciais.
O professor, ao se perceber como um ser reconhecido socialmente, consegue fazer a ponte entre o significado de seu fazer e a função social que a escola exercita.
Ser professor é ser materializador de sonhos, ser professor é ser construtor de identidades humanas. Ser professor é entender que “a democracia de amanhã se prepara na democracia da escola”. (Freinet)
Portanto é preciso entender o professor como uma autoridade construtora de seres humanos humanizados. Nesse contexto histórico nunca se precisou tanto de um professor. Este precisa de um espaço de reflexão com seus grupos, com seus pares.
“Seria necessário lembrar aos pais e professores que um educador que já não tem gosto pelo trabalho é um escravo do ganha-pão e que um escravo não poderia preparar homens livres e ousados; que o professor não pode preparar alunos para construírem, amanhã, o mundo dos seus sonhos, se você não acreditar nessa vida; que não poderá mostrar-lhe o caminho se permanecer sentado, cansado e desanimado, na encruzilhada dos caminhos”. (Freinet)
Andando por esse país inteiro, o que identificamos a cada momento é que o professor quando chamado para desenvolver uma ação proativa, ele corresponde, ele tem desejos, e apresenta muitas iniciativas.
Cada vez que desenvolvemos com o professor essa competência ele vai construindo e reconstruindo o seu cotidiano, socializando e valorizando as suas experiências. Assim, olhamos para ele com o olhar de quem possui saberes próprios da docência e que esses saberes merecem ser compartilhados.
Temos muita esperança de que os professores deste país, frente a todas as adversidades, continuem constituindo espaços de construções relacionais. O professor precisa ser o centro que acredita nesse movimento dos aprendentes e ensinantes e dos ensinantes e aprendentes em ações dialógicas. Quanto mais se desenvolver essa prática, quanto mais espaço se der para essa discussão, mais poderemos construir coletivamente. Freinet era adepto das pedagogias ativas e colocava o trabalho como elemento central na organização das aprendizagens escolares. Sua pedagogia baseava-se na cooperação entre os alunos e os educadores, e os tempos e espaços escolares deveriam ser estabelecidos em função do interesse dos alunos.
“Esperamos dos professores, trabalhadores ativos, de iniciativas generosas; o cidadão cioso das suas liberdades, mas capazes de se disciplinar para servir cooperativamente as causas justas; os homens que saberão sair das fileiras e partir para a vanguarda, enfrentando temerariamente as dificuldades; os pioneiros que por vezes importunam, os monges e os religiosos, os exploradores e os robôs, os soldados e os burocratas, mas que avançam, progridem, constroem e criam”. Freinet
Frente aos pensares de Freinet diríamos que o professor é um mobilizador, é um articulador que trabalha com a perspectiva coletiva, constrói uma relação de compromisso ético com o seu grupo, compromisso de construção, compromisso de olhar para a totalidade, compromisso com a afetividade, comunicação, autonomia e cooperação.
A postura do professor é fundamentada em diferentes olhares: a) – olhar para a escola enquanto um movimento em que todos os participantes têm papel decisivo; b) – olhar da singularidade fundamental quando cruzado com o coletivo; c) – olhar para a relação da prática educativa e os discursos, esse alerta é muito importante, precisamos tomar cuidado com um discurso extremamente elaborado e uma prática empobrecida; d) – olhar estruturante, a forma de como são organizados os momentos de reflexão e os espaços nesta relação entre os seus pares; e) – olhar da ação junto às famílias, à comunidade, considerando que a família precisa ser parceira dos professores na construção dos olhares dos aprendizes; f) olhar do acreditar na perspectiva de superação e de transformação dos seres em processos de desenvolvimento humano.
À medida que o professor possibilita uma aprendizagem significativa, em que a cada espaço o aluno faça uma relação com o seu cotidiano, o professor se compromete não apenas com o aqui e o agora, mas com a comunidade, com a sociedade, com um olhar mais amplo. É nesse momento que o professor constrói, de fato, a possibilidade de uma geração que está aí, precisando tanto de referências para se constituir como um cidadão democrático.
A aprendizagem na escola é um passaporte imenso para poder entender e transformar tantas situações adversas que estamos vivenciando. Falar em educação de excelência é perceber que o foco de uma escola é o aprendiz. E o aprendiz não é apenas a criança, mas também o professor, as famílias, a comunidade.
A imersão na pedagogia Freinet possibilita tanto ao aprendiz refletir e identificar o que está fazendo com a sua vida como ao educador compreender qual o sentido que está dando para os projetos educativos vivenciados e como pode contribuir para romper com a alienação, porque “a Escola Moderna não é nem uma capela nem um clube mais ou menos restrito, mas, na realidade uma via que nos conduzirá àquilo que, todos juntos, construirmos.” (Freinet)
A relação de humanização desse momento histórico é talvez a maior contribuição que o educador tem a realizar para o exercício da cidadania, considerando que o conhecimento é para constituir o humano mais competente para ser feliz, para ter espaço na vida, para acreditar nas pessoas, para poder, de fato, ecologicamente, acreditar num universo que não destrua a si mesmo, que não fique apenas voltado a questões de controle, do exercício de exterioridade, mas que tenha essa noção de vida abundante, pulsante a cada segundo.
Nas reflexões de Freinet, encontramos o olhar de uma educação que não seja alicerçada em rótulos frívolos, uma educação inclusiva em sua essência, uma educação que traga para cada um o seu contexto para pensar a totalidade; um movimento profundamente responsável que revele implicações, mexendo com conceitos fundamentais de comunicação, de cooperação de autonomia e de afeto. É um movimento de quebrar cristalizações, de desconstruir conceitos autoritários, ainda historicamente existentes em nossa cultura porque conforme dizia Freinet, “Nós nos habituamos todos de tal forma a comandar as crianças e a exigir delas uma obediência passiva que não pensamos na possibilidade de haver outra solução para a educação que não seja a fórmula autoritária”.
Necessitamos entrar na essência das questões, debater com profundidade e percebermos o nosso ser nas relações que efetivamente construímos.
Concluindo, “o educador não é um forjador de cadeias, mas um semeador de alimento e de claridade” (Freinet). O Educador é um fundador de mundos.
Por Emilia Cipriano
Fonte: Direcional Educador