A nova geração de alunos

Aos quatro anos, a pequena Manuela Pockrandt Robaina já domina as “manhas” do iPad dos pais. Liga sozinha o aparelho – se for necessário, sabe desbloqueá-lo e digitar a senha que libera o acesso –, e diverte-se com vários jogos de desenhar, montar quebra-cabeça, andar por um labirinto, entre outros.

Ela também manipula com tranquilidade o iPhone do pai, no qual sabe acionar jogos e visualizar fotos, ou seja, é bem familiarizada com a tecnologia touch. Conhece o Facebook e assiste a vídeos no Youtube, sempre com a supervisão dos pais. Na escola, Manuela, que frequenta a educação infantil – está no nível Infantil V – em uma escola particular de Curitiba (PR), também já tem contato com o computador, na Biblioteca, onde desenvolve com seus colegas, uma vez por semana, atividades lúdicas e educativas.
 
Manuela faz parte da mais nova geração de pessoas do planeta: a Geração A, formada pelos pequenos que estão nascendo agora e têm até 12 anos de idade. Juntamente às gerações Z e Y, as crianças dessa geração compõem o grupo dos estudantes que frequentam a educação básica – ensinos infantil, fundamental e médio – atualmente. Em comum, essas gerações têm o fato de terem nascido ou crescido na chamada era digital, dominada pelo computador e pela internet. Fato determinante para moldar novas características no perfil do aluno e exigir, da escola e do professor, atualização constante. A filósofa Tania Zagury, professora-adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Educação e autora do livro O professor refém (Editora Record), entre outros títulos, destaca a multifuncionalidade – ou capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo –  e o imediatismo – ou falta de paciência para esperar resultados – como as principais características dessas novas gerações. “No entanto, eles se adaptam bem a mudanças e são bastante criativos, por estarem sempre em contato com novas tecnologias, eles assimilam [as informações] com bastante rapidez, estão acostumados a sempre ter [contato com] novidades”, ressalta Tania.
 
E como despertar – e prender – a atenção desses alunos que, como a pequena Manuela, têm contato desde cedo com a tecnologia, o que propicia um variado cardápio de novidades e possibilidades interativas? O que fazer numa sala de aula em que a maioria tem como características dominantes o imediatismo, a impaciência e a sede pelo novo? Enquanto isso, por outro lado, o professor esbarra em questões práticas, como a falta de tempo para se reciclar, o pouco contato com a tecnologia – cujos aparatos demandam investimento financeiro –, entre outras dificuldades. Para a psicóloga Rosely Sayão, consultora educacional, escritora e colunista da Folha de S. Paulo, é um equívoco as escolas introduzirem o “aparelho tecnológico” quando poderiam usar a “linguagem tecnológica”. “Eu vejo as escolas distribuindo tablets, não sei se isso adianta. Usar a linguagem, mais do que qualquer outra coisa, e assim entrar no mundo em que eles são acostumados a entrar. Comunicar, basicamente, é a comunicação”, afirma a psicóloga.
 
Rosely não acredita que a presença maior da tecnologia na vida das pessoas tenha alterado o perfil das crianças dessas novas gerações. “A criança usa essa ‘traquitana’ tecnológica como brinquedo, e brinquedos tecnológicos a gente sempre teve, é claro, que cada um de acordo com a tecnologia da época. Ela brinca com o tablet, o celular, sabe mexer, joga, mas, na escola, não faz diferença”, observa a psicóloga. E completa: “vai fazer uma diferença maior lá no final do ensino fundamental, no ensino médio, quando eles [os alunos] já têm outros usos para isso [os aparelhos tecnológicos], que não só o uso lúdico”.
 
A partir daí, a orientação da especialista é introduzir diversidade na aula. “Eu não descarto a aula expositiva, mas só a aula expositiva ficará entediante. É preciso alternar, diversificar mesmo a didática em sala de aula”, considera Rosely. E sugere: um dia uma aula expositiva, no outro dia uma aula com trabalho em grupo, e, em outro dia, um assunto atual. “Nós temos tantas possibilidades de mudar o jeito de dar aula. Creio que a tecnologia traz de interessante justamente isso: a diversidade. Uma criança, um adolescente fica horas em frente a um computador, a um tablet, porque não se mantêm na mesma página: experimenta um jogo, vai para um bate-papo, lê uma notícia que interessou, pergunta a respeito do trabalho que precisa fazer, ou seja, há uma diversidade. Essa é uma característica que a tecnologia trouxe e que os professores podem usar, sem, necessariamente, usar o aparato tecnológico”, explica.
 
Tania acredita que o professor da atualidade deve ter como objetivos atingir duas etapas: a primeira é conquistar a atenção e o interesse do aluno e, a segunda, é deslocar esse interesse para o aprendizado do conteúdo. “Esse é o grande desafio do professor. Se por um lado ele [o aluno] é capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo, por outro ele também perde o interesse pelas coisas muito rápido, e tem um poder de concentração menor”, analisa. Ela comenta que o estudante, ao ter acesso a tantas benesses da tecnologia, chega à escola e acha chato, desagradável, monótono. “Numa sala com 35, 40 alunos, o professor não tem condição de usar o tempo todo recursos multissensoriais. O grande desafio do professor é tornar a sala de aula atraente para que esse aluno motive-se para o estudo”, afirma a educadora.
 
Professor on-line
 
O professor de Química, Levi Gonçalves, leciona há 24 anos e sabe bem o que significa esse desafio. No Colégio Santa Marina, de São Paulo, ele dá aulas para turmas dos ensinos fundamental ao médio. “As escolas estão se adaptando à época em que vivemos, uma época de disponibilização mais constante de informações. Precisamos lidar com várias situações ao mesmo tempo e, para interagir com a turma, temos que usar as tecnologias”, comenta. O professor conta que a escola já adota lousa digital, projetores multimídia, tablets e computadores em sala de aula e, para isso, a escola ofereceu um treinamento aos docentes. “O professor tem que se atualizar e se preparar para o uso dos recursos midiáticos”, completa. Gonçalves usa blog, Facebook, MSN e e-mail. “Estamos em uma época muito interativa e isso acontece na vida pessoal e na profissional”, afirma. Ele acredita que o acesso a tanta informação exige a formação de alunos mais críticos, capazes de serem exigentes com fontes e de analisar os meios antes de buscar informações.
 
O professor lembra que disputar a atenção do aluno – na atualidade com os equipamentos tecnológicos – não é uma novidade. Isso já aconteceu com a televisão, por exemplo, e há tempos acontece, no caso dos adolescentes, com os shoppings, os shows. “A gente tem que evoluir junto, se ficarmos só na lousa e no giz, certamente perderemos a atenção do aluno e ficaremos sem atingir nosso objetivo”, alerta.
 
Uma experiência diferente movimenta as turmas do ensino médio, durante as aulas de Química com o professor Levi. Ele incentivou a criação de um blog (http://chemistryonboard.blogspot.com.br/), que é alimentado pelos próprios alunos. No espaço, são registradas as experiências realizadas no laboratório da escola: cadeia carbônica, separação de misturas, determinação da carga elementar, entre outras. Os alunos fotografam e filmam os testes e as explicações. “Com o blog, eles se tornam produtores e distribuidores de informações”, comenta o professor. Unir o conteúdo da disciplina com os recursos tecnológicos, na opinião dele, ajudam a facilitar o aprendizado. Ele ainda sugere que as redes sociais e as ferramentas de bate-papo também sejam utilizadas para o debate do conteúdo e informações sobre trabalhos escolares. “A tecnologia faz a gente ser mais produtivo, tanto o professor como o aluno”, atesta.
 
No entanto, Levi ressalta que o cérebro não mudou, e que ainda são necessários os momentos de estudo. “O aluno tem que manter momentos de estudo para absorver a quantidade de informações recebidas, ou o aprendizado não vai ocorrer. Por isso, essa necessidade permanece, isso não muda”.
 
Para Tânia de Sá Custódio, professora de Geografia também na escola Santa Marina e da rede pública de São Paulo, a chegada da tecnologia é algo complexo. “Para a minha geração, foi um choque”, afirma a professora que está há 25 anos no magistério. Com experiência nas duas redes – pública e particular –, Tânia comenta que na rede privada a escola exige mais do professor em relação à capacitação na área de tecnologia, e para isso investe em cursos e coloca os docentes em contato com especialistas. Na rede pública, há pouco investimento em relação à formação do professor, mas também não há tanta exigência na questão digital. “Na escola particular, nos comunicamos por e-mail, enquanto, na pública, essa comunicação é por meio de bilhetes”, conta – um exemplo que situa bem as diferenças entre as duas realidades, da escola pública e da privada.
 
O aluno de uma escola e de outra também é diferente. “Na escola particular, a geração é digital mesmo”, afirma Tânia. “Isso é um transtorno, às vezes, pois temos que controlar os alunos conforme as regras da escola em relação ao uso de celular e tablets”, comenta. Ao mesmo tempo, Tânia aproveita as facilidades da tecnologia. Fatos da atualidade, como a morte do presidente venezuelano Hugo Chávez e a escolha do novo papa, puderam ser pesquisados em sala de aula. “A internet é um recurso que não pode ser dispensado, mas deve ser uma forma de uso orientada, direcionada”, acredita.
 
A professora Tânia sente que os alunos, apesar de mais dinâmicos, não têm concentração total em determinadas situações. “Eles estão acostumados com atividades mais dinâmicas, então, ao usarmos a lousa digital, a internet, eles prestam mais atenção”, conta. O fato de o aluno ser multitarefa é ótimo, mas a aula para esse perfil de aluno requer do professor, na opinião de Tânia, maior preparo, mais leitura e análise, mas o docente, muitas vezes, não tem tempo disponível para isso. “Às vezes, o professor recebe das mãos do aluno um material que ainda não viu ou aprende com eles a usar um determinado programa [de computador]”, admite. Nesses casos, Tânia procura pesquisar e se informar para poder interagir em sala de aula. “Senão, o professor se torna um dinossauro”, adverte.
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Fonte: revista Profissão Mestre (por Carolina Mainardes)

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